mulher pelada do jeito que veio ao mundo: só que maior

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História das Seqüências e Séries

História das Seqüências e Séries

 

        Zenão de Eléa (490–425 a.C.) escreveu um livro com 40 paradoxos relativos ao contínuo e ao infinito. Pelo menos quatro dos paradoxos influenciaram o desenvolvimento da matemática para explicar os fenômenos relevantes. Infelizmente, o livro não sobreviveu até os tempos modernos, assim conhecemos estes paradoxos a partir de outras fontes. Os paradoxos de Zenão sobre o movimento desconcertaram matemáticos por séculos. No final eles envolvem a soma de um número infinito de termos positivos a um número finito, o qual é a essência da convergência de uma série infinita de números. Vários matemáticos contribuíram para o entendimento das propriedades de seqüências e séries. Este ensaio destaca as contribuições de alguns daqueles matemáticos que estudaram seqüências e séries.


        Zenão não foi o único matemático da antiguidade a trabalhar com seqüências. Vários dos matemáticos gregos da antiguidade usaram seu método de exaustão (um argumento seqüencial) para mediar áreas de figuras e regiões. Usando sua técnica refinada de raciocínio chamada de “método”, Arquimedes (287– 212 a.C.) alcançou vários resultados importantes envolvendo áreas e volumes de várias figuras e sólidos. Na verdade, ele construiu vários exemplos e tentou explicar como somas infinitas poderiam ter resultados finitos. Dentre seus vários resultados estava que a área sob um arco parabólico é sempre dois terços da base vezes a altura. Seu trabalho não foi tão completo ou rigoroso, como daqueles matemáticos que vieram depois e desenvolveram seqüências e séries como Newton e Leibniz, mas foi tão impressionante quanto. Embora Arquimedes tenha sido obstruído pela falta de precisão e notação eficiente, foi capaz de descobrir muitos dos elementos da análise moderna de seqüências e séries.


        O próximo contribuinte importante para esta área da matemática foi Fibonacci (1170–1240). Ele descobriu uma seqüência de inteiros na qual cada número é igual à soma dos dois antecessores (1,1,2,3,5,8,…), introduzindo-a em termos de modelagem de uma população reprodutiva de coelhos. Esta seqüência tem muitas propriedades curiosas e interessantes e continua sendo aplicada em várias áreas da matemática moderna e ciência. Durante o mesmo período, astrônomos chineses desenvolveram técnicas numéricas para analisar resultados experimentais. Durante os séculos 13 e 14, matemáticos chineses usaram a idéia de diferenças finitas para analisar tendências em seus dados. Hoje, métodos como os deles são usados para entender o comportamento a longo prazo e os limites de seqüências infinitas. Este trabalho inicial na Ásia levou a mais investigação e análise de várias progressões e séries mas teve pouca influência sobre os matemáticos europeus.
 

        Oresme (1325–1382) estudou taxas de variação, como velocidade e aceleração, usando uma aproximação seqüencial. Seu principal trabalho, De configurationibus, foi o primeiro a apresentar gráficos de velocidade. O argumento que usamos para mostrar a divergência da série harmônica foi inventado por Oresme em sua publicação. Duzentos anos depois, Stevin (1548–1620) avançou a matemática providenciando uma simbologia mais fácil de se compreender. Ele entendeu os conceitos físicos e matemáticos da aceleração devido à gravidade. Somou séries e analisou seqüências, mas parou um pouco antes de definir ou explicar limites e convergência. O contemporâneo de Stevin, Galileu (1564–1642), aplicou matemática às ciências especialmente astronomia. Baseado no seu estudo de Arquimedes, Galileu melhorou a compreensão de hidrostática, desenvolveu os resultados para o movimento em queda livre sob a ação da gravidade e os movimentos dos planetas. Até sugeriu que poderia existir uma terceira propriedade entre o finito e o infinito. Galileu deixou seus sucessores com conselhos e desafios encontrados nas duas citações a seguir:
 

Onde os sentidos falham, a razão deve entrar.
Infinitos e indivisíveis transcendem nosso entendimento finito, o primeiro por conta de sua magnitude, o segundo pela sua pequenez; imagine o que eles são quando combinados.
 

        À medida que o desenvolvimento do cálculo foi tomando forma, o progresso no entendimento de séries infinitas teve um papel no desenvolvimento do cálculo diferencial e integral. Pascal (1623–1662) era fascinado pelos resultados impressionantes que vinham das somas infinitas, mas era confundido pelo seu conceito. Para ele, o infinito era alguma coisa para admirar, mas impossível de entender. Pascal preferiu a abordagem geométrica de St. Vincent (1584–1667) para séries e sua convergência em vez da nova abordagem analítica de Fermat (1601–1665) e Descartes (1596–1650) que não conseguia visualizar ou entender. Apesar da limitação de Pascal para entender séries, ele, junto com Descartes e Fermat, usou cálculos com séries nas contribuições aos fundamentos do cálculo diferencial e integral.
 

        Até a metade do século 17, matemáticos tinham desenvolvido e analisado séries de números. O tempo tinha chegado para investigar seqüências e séries de funções. Ambos Newton (1642–1727) e Leibniz (1646–1716) desenvolveram representações de séries para funções. Usando métodos algébricos e geométricos, Newton calculou as séries para as funções trigonométricas sen(x) e cos(x) e para a função exponencial. Estes resultados são encontrados nos trabalhos de Newton intitulados Method of Fluxions and Infinite Series e Analysis with Infinite Series. Newton utilizou séries para desenvolver muitos resultados de cálculo, tais como área, comprimento de arco e volumes. Leibniz somou seqüências de recíprocas de números poligonais e, seguindo o trabalho de St. Vincent, somou e analisou várias seqüências geométricas. Leibniz usou uma abordagem seqüencial de valores infinitamente próximos para explicar o conceito de limite. Embora nunca tenha pensado na derivada como um limite, descobriu muitos dos resultados que agora estudamos em cálculo usando limites.
 

        Brook Taylor (1685–1731) não foi o primeiro a inventar a estrutura e o processo que chamamos de série de Taylor, e a série de Maclaurin não foi desenvolvida por Colin Maclaurin (1698–1746). James Gregory (1638–1675) estava trabalhando com séries de Taylor quando Taylor tinha apenas alguns anos de idade. Gregory também publicou a série de Maclaurin para muitas funções trigonométricas antes que Maclaurin tivesse nascido. Taylor não conhecia o trabalho de Gregory quando publicou seu livro Methodus incrementorum directa et inversa, o qual continha o que chamamos agora de série de Taylor. Ele tinha desenvolvido independentemente um método baseado em cálculo para gerar representações de funções em séries. Posteriormente, Maclaurin citou um trabalho de Taylor em um livro de cálculo que escreveu em 1742. O livro de Maclaurin popularizou representações de funções em séries, e embora Maclaurin nunca tenha afirmado que as tinha descoberto, a série de Taylor centrada em a = 0 tornou-se posteriormente conhecida como série de Maclaurin. Johann Bernoulli (1667–1748) também fez uma descoberta independente do teorema de Taylor.
 

        Euler (1707–1783) usou freqüentemente séries infinitas em seu trabalho para desenvolver novos métodos ou para modelar problemas aplicados. Publicou Mechanica em 1736, onde aplicou sistematicamente o cálculo à mecânica e desenvolveu novos métodos para resolver equações diferenciais usando séries de potências. Estabeleceu a notação de somatório que usamos hoje, usando sigma para o símbolo da soma. D’Alembert (1717–1783) escreveu cinco artigos lidando com métodos para integrar equações diferenciais. Embora tenha recebido pouca educação científica formal, é claro que ele conhecia os trabalhos de Newton, L’Hospital e dos Bernoullis. D’Alembert publicou muitos trabalhos sobre matemática e física matemática, culminado com seu trabalho principal, Traité de dynamique. Considerou a derivada como um limite da diferença de quocientes, o que o colocou à frente dos seus pares no entendimento do cálculo. Também desenvolveu o teste da razão para determinar a convergência de muitas séries. Através do trabalho de D’Alembert, a natureza da pesquisa sobre séries estava mudando de cálculos práticos para uma fundamentação mais teórica. 
 

        Lagrange (1736–1813) estendeu o trabalho de Euler nas equações de movimento e o entendimento da energia potencial. Publicou Mécanique analytique (1787), que aplicava cálculo ao movimento de objetos. O maior trabalho de Lagrange foi na teoria e aplicação do cálculo. Ele sentiu que a série de Taylor desempenhava um papel fundamental no entendimento do cálculo, embora ainda evitasse o limite e as propriedades de convergência de seqüências e séries. Bolzano (1781-1848) confrontou este assunto, apontando que a convergência era importante para entender e usar séries. Tentou explicar convergência associando-a com a idéia de subconjuntos limitados. Bolzano acreditava no método de Lagrange para usar séries de Taylor como a base para o cálculo. Fourier (1768–1830) fez contribuição ao estudo e cálculo da difusão de calor e à solução de equações diferenciais. Théorie analytique de la chaleur (A Teoria Analítica do Calor, 1822) contém uso extenso de séries consistindo de funções trigonométricas que hoje chamamos de séries de Fourier. Apesar disso, contribuiu muito pouco para a teoria destas séries, as quais eram conhecidas, muito antes, por Euler, Daniel Bernoulli e Lagrange.
 

        Finalmente, a comunidade matemática foi motivada a estabelecer fundamentos mais teóricos para as idéias de limite e convergência de seqüências e séries. Cauchy (1789-1857) foi o primeiro a definir por completo as idéias de convergência e convergência absoluta de séries infinitas. Este trabalho foi feito em conjunto com o desenvolvimento de uma análise rigorosa do cálculo. Também foi o primeiro a desenvolver uma teoria sistemática para números complexos e a transformada de Fourier para equações diferenciais. Contudo, ambos Cauchy e seu colega Niels Henrik Abel (1802–1829) ignoraram a utilidade das séries divergentes. Abel escreveu em 1828 “séries divergentes são a invenção do diabo, e é uma vergonha basear nelas qualquer demonstração”.
 

        Runge (1856–1927) desenvolveu o método de resolução baseado em seqüências para solucionar numericamente equações diferenciais junto com M. W. Kutta (1867–1944). Seqüências e séries tornaram-se ferramentas padrão para aproximar funções e calcular resultados em computação numérica. 
 

        O matemático indiano autodidata Srinivasa Ramanujan (1887–1920) usou seqüências e séries de potências para desenvolver resultados em teoria de números. O trabalho de Ramanujan era teórico e produziu numerosos resultados importantes usados por matemáticos no século 20. Seus colaboradores britânicos Godfrey Harold (G.H.) Hardy (1877–1947) e John Littlewood (1885–1977) usaram seu conhecimento de séries para produzir avanços importantes em teoria de números e estenderam a utilidade das séries para muitas áreas da matemática.

OS 100 ERROS MAIS COMUNS DE NOSSO QUERIDO IDIOMA xD

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por Também digo “TOMA!!!” quando ganho alguma coisa, quinta, 1 de Dezembro de 2011 às 16:59 · 

1 – “Mal cheiro”, “mau-humorado”. Mal opõe-se a bem e mau, a bom. Assim: mau cheiro (bom cheiro), mal-humorado (bem-humorado). Igualmente: mau humor, mal-intencionado, mau jeito, mal-estar.

 

2 – “Fazem” cinco anos. Fazer, quando exprime tempo, é impessoal: Faz cinco anos. / Fazia dois séculos. / Fez 15 dias.

 

3 – “Houveram” muitos acidentes. Haver, como existir, também é invariável: Houve muitos acidentes. / Havia muitas pessoas. / Deve haver muitos casos iguais.

 

4 – “Existe” muitas esperanças. Existir, bastar, faltar, restar e sobrar admitem normalmente o plural: Existem muitas esperanças. / Bastariam dois dias. / Faltavam poucas peças. / Restaram alguns objetos. / Sobravam idéias.

 

5 – Para “mim” fazer. Mim não faz, porque não pode ser sujeito. Assim: Para eu fazer, para eu dizer, para eu trazer.

 

6 – Entre “eu” e você. Depois de preposição, usa-se mim ou ti: Entre mim e você. / Entre eles e ti.

 

7 – “Há” dez anos “atrás”. Há e atrás indicam passado na frase. Use apenas há dez anos ou dez anos atrás.

 

8 – “Entrar dentro”. O certo: entrar em. Veja outras redundâncias: Sair fora ou para fora, elo de ligação, monopólio exclusivo, já não há mais, ganhar grátis, viúva do falecido.

 

9 – “Venda à prazo”. Não existe crase antes de palavra masculina, a menos que esteja subentendida a palavra moda: Salto à (moda de) Luís XV. Nos demais casos: A salvo, a bordo, a pé, a esmo, a cavalo, a caráter.

 

10 – “Porque” você foi? Sempre que estiver clara ou implícita a palavra razão, use por que separado: Por que (razão) você foi? / Não sei por que (razão) ele faltou. / Explique por que razão você se atrasou. Porque é usado nas respostas: Ele se atrasou porque o trânsito estava congestionado.

 

11 – Vai assistir “o” jogo hoje. Assistir como presenciar exige aVai assistir ao jogo, à missa, à sessão. Outros verbos com aA medida não agradou (desagradou) à população. / Eles obedeceram (desobedeceram) aos avisos. / Aspirava ao cargo de diretor. / Pagou ao amigo. / Respondeu à carta. / Sucedeu ao pai. / Visava aos estudantes.

 

12 – Preferia ir “do que” ficar. Prefere-se sempre uma coisa a outra: Preferia ir a ficar. É preferível segue a mesma norma: É preferível lutar a morrer sem glória.

 

13 – O resultado do jogo, não o abateu. Não se separa com vírgula o sujeito do predicado. Assim: O resultado do jogo não o abateu. Outro erro: O prefeito prometeu, novas denúncias. Não existe o sinal entre o predicado e o complemento: O prefeito prometeu novas denúncias.

 

14 – Não há regra sem “excessão”. O certo é exceção. Veja outras grafias erradas e, entre parênteses, a forma correta: “paralizar” (paralisar), “beneficiente” (beneficente), “xuxu” (chuchu), “previlégio” (privilégio), “vultuoso” (vultoso), “cincoenta” (cinqüenta), “zuar” (zoar), “frustado” (frustrado), “calcáreo” (calcário), “advinhar” (adivinhar), “benvindo” (bem-vindo), “ascenção” (ascensão), “pixar” (pichar), “impecilho” (empecilho), “envólucro” (invólucro).

 

15 – Quebrou “o” óculos. Concordância no plural: os óculos, meus óculos. Da mesma forma: Meus parabéns, meus pêsames, seus ciúmes, nossas férias, felizes núpcias.

 

16 – Comprei “ele” para você. Eu, tu, ele, nós, vós e eles não podem ser objeto direto. Assim: Comprei-o para você. Também: Deixe-os sair, mandou-nos entrar, viu-a, mandou-me.

 

17 – Nunca “lhe” vi. Lhe substitui a ele, a eles, a você e a vocês e por isso não pode ser usado com objeto direto: Nunca o vi. / Não o convidei. / A mulher o deixou. / Ela o ama.

 

18 – “Aluga-se” casas. O verbo concorda com o sujeito: Alugam-se casas. / Fazem-se consertos. / É assim que se evitam acidentes. / Compram-se terrenos. / Procuram-se empregados.

 

19 – “Tratam-se” de. O verbo seguido de preposição não varia nesses casos: Trata-se dos melhores profissionais. / Precisa-se de empregados. / Apela-se para todos. / Conta-se com os amigos.

 

20 – Chegou “em” São Paulo. Verbos de movimento exigem a, e não em: Chegou a São Paulo. / Vai amanhã ao cinema. / Levou os filhos ao circo.

 

21 – Atraso implicará “em” punição. Implicar é direto no sentido de acarretar, pressupor: Atraso implicará punição. / Promoção implica responsabilidade.

 

22 – Vive “às custas” do pai. O certo: Vive à custa do pai. Use também em via de, e não “em vias de”: Espécie em via de extinção. / Trabalho em via de conclusão.

 

23 – Todos somos “cidadões”. O plural de cidadão é cidadãos. Veja outros: caracteres (de caráter), juniores, seniores, escrivães, tabeliães, gângsteres.

 

24 – O ingresso é “gratuíto”. A pronúncia correta é gratúito, assim como circúito, intúito e fortúito (o acento não existe e só indica a letra tônica). Da mesma forma: flúido, condôr, recórde, aváro, ibéro, pólipo.

 

25 – A última “seção” de cinema. Seção significa divisão, repartição, e sessão equivale a tempo de uma reunião, função: Seção Eleitoral, Seção de Esportes, seção de brinquedos; sessão de cinema, sessão de pancadas, sessão do Congresso.

 

26 – Vendeu “uma” grama de ouro. Grama, peso, é palavra masculina: um grama de ouro, vitamina C de dois gramas. Femininas, por exemplo, são a agravante, a atenuante, a alface, a cal, etc.

 

27 – “Porisso”. Duas palavras, por isso, como de repente a partir de.

 

28 – Não viu “qualquer” risco. É nenhum, e não “qualquer”, que se emprega depois de negativas: Não viu nenhum risco. / Ninguém lhe fez nenhum reparo. / Nunca promoveu nenhuma confusão.

 

29 – A feira “inicia” amanhã. Alguma coisa se inicia, se inaugura: A feira inicia-se (inaugura-se) amanhã.

 

30 – Soube que os homens “feriram-se”. O que atrai o pronome: Soube que os homens se feriram. / A festa que se realizou… O mesmo ocorre com as negativas, as conjunções subordinativas e os advérbios: Não lhe diga nada. / Nenhum dos presentes se pronunciou. / Quando se falava no assunto… / Como as pessoas lhe haviam dito… / Aqui se faz, aqui se paga. / Depois o procuro.

 

31 – O peixe tem muito “espinho”. Peixe tem espinha. Veja outras confusões desse tipo: O “fuzil” (fusível) queimou. / Casa “germinada” (geminada), “ciclo” (círculo) vicioso, “cabeçário” (cabeçalho).

 

32 – Não sabiam “aonde” ele estava. O certo: Não sabiam onde ele estava. Aonde se usa com verbos de movimento, apenas: Não sei aonde ele quer chegar. / Aonde vamos?

 

33 – “Obrigado”, disse a moça. Obrigado concorda com a pessoa: “Obrigada”, disse a moça. / Obrigado pela atenção. / Muito obrigados por tudo.

 

34 – O governo “interviu”. Intervir conjuga-se como vir. Assim: O governo interveio. Da mesma forma: intervinha, intervim, interviemos, intervieram. Outros verbos derivados: entretinha, mantivesse, reteve, pressupusesse, predisse, conviesse, perfizera, entrevimos, condisser, etc.

 

35 – Ela era “meia” louca. Meio, advérbio, não varia: meio louca, meio esperta, meio amiga.

 

36 – “Fica” você comigo. Fica é imperativo do pronome tu. Para a 3.ª pessoa, o certo é fiqueFique você comigo. / Venha pra Caixa você também. / Chegue aqui.

 

37 – A questão não tem nada “haver” com você. A questão, na verdade, não tem nada a ver ou nada que ver. Da mesma forma: Tem tudo a ver com você.

 

38 – A corrida custa 5 “real”. A moeda tem plural, e regular: A corrida custa 5 reais.

 

39 – Vou “emprestar” dele. Emprestar é ceder, e não tomar por empréstimo: Vou pegar o livro emprestado. Ou: Vou emprestar o livro (ceder) ao meu irmão. Repare nesta concordância: Pediu emprestadas duas malas.

 

40 – Foi “taxado” de ladrão. Tachar é que significa acusar de: Foi tachado de ladrão. / Foi tachado de leviano.

 

41 – Ele foi um dos que “chegou” antes. Um dos que faz a concordância no plural: Ele foi um dos que chegaram antes (dos que chegaram antes, ele foi um). / Era um dos que sempre vibravam com a vitória.

 

42 – “Cerca de 18” pessoas o saudaram. Cerca de indica arredondamento e não pode aparecer com números exatos: Cerca de 20 pessoas o saudaram.

 

43 – Ministro nega que “é” negligente. Negar que introduz subjuntivo, assim como embora e talvez: Ministro nega que seja negligente. / O jogador negou que tivesse cometido a falta. / Ele talvez o convide para a festa. / Embora tente negar, vai deixar a empresa.

 

44 – Tinha “chego” atrasado. “Chego” não existe. O certo: Tinha chegado atrasado.

 

45 – Tons “pastéis” predominam. Nome de cor, quando expresso por substantivo, não varia: Tons pastel, blusas rosa, gravatas cinzacamisas creme. No caso de adjetivo, o plural é o normal: Ternos azuis, canetas pretas, fitas amarelas.

 

46 – Lute pelo “meio-ambiente”. Meio ambiente não tem hífen, nem hora extra, ponto de vistamala direta, pronta entrega, etc. O sinal aparece, porém, em mão-de-obra, matéria-prima, infra-estrutura, primeira-dama, vale-refeição, meio-de-campo, etc.

 

47 – Queria namorar “com” o colega. O com não existe: Queria namorar o colega.

 

48 – O processo deu entrada “junto ao” STF. Processo dá entrada no STF. Igualmente: O jogador foi contratado do (e não “junto ao“) Guarani. / Cresceu muito o prestígio do jornal entre os(e não “junto aos“) leitores. / Era grande a sua dívida com o (e não “junto ao“) banco. / A reclamação foi apresentada ao (e não “junto ao“) Procon.

 

49 – As pessoas “esperavam-o”. Quando o verbo termina em mão ou õe, os pronomes o, a, os e as tomam a forma no, na, nos nas: As pessoas esperavam-no. / Dão-nos, convidam-na, põe-nos, impõem-nos.

 

50 – Vocês “fariam-lhe” um favor? Não se usa pronome átono (me, te, se, lhe, nos, vos, lhes) depois de futuro do presente, futuro do pretérito (antigo condicional) ou particípio. Assim: Vocês lhe fariam (ou far-lhe-iamum favor? / Ele se imporá pelos conhecimentos (e nunca “imporá-se”). / Os amigos nos darão (e não “darão-nos”um presente. / Tendo-me formado (e nunca tendo “formado-me”).

 

51 – Chegou “a” duas horas e partirá daqui “há” cinco minutos.  indica passado e equivale a faz, enquanto a exprime distância ou tempo futuro (não pode ser substituído por faz):Chegou há (faz) duas horas e partirá daqui a (tempo futuro) cinco minutos. / O atirador estava a (distância) pouco menos de 12 metros. / Ele partiu há (faz) pouco menos de dez dias.

 

52 – Blusa “em” seda. Usa-se de, e não em, para definir o material de que alguma coisa é feita: Blusa de seda, casa de alvenaria, medalha de prata, estátua de madeira.

 

53 – A artista “deu à luz a” gêmeos. A expressão é dar à luz, apenas: A artista deu à luz quíntuplos. Também é errado dizer: Deu “a luz a” gêmeos.

 

54 – Estávamos “em” quatro à mesa. em não existe: Estávamos quatro à mesa. / Éramos seis. / Ficamos cinco na sala.

 

55 – Sentou “na” mesa para comer. Sentar-se (ou sentar) em é sentar-se em cima de. Veja o certo: Sentou-se à mesa para comer. / Sentou ao piano, à máquina, ao computador.

 

56 – Ficou contente “por causa que” ninguém se feriu. Embora popular, a locução não existe. Use porque: Ficou contente porque ninguém se feriu.

 

57 – O time empatou “em” 2 a 2. A preposição é porO time empatou por 2 a 2. Repare que ele ganha por perde por. Da mesma forma: empate por.

 

58 – À medida “em” que a epidemia se espalhava… O certo é: À medida que a epidemia se espalhava… Existe ainda na medida em que (tendo em vista que): É preciso cumprir as leis, na medida em que elas existem.

 

59 – Não queria que “receiassem” a sua companhia. O i não existe: Não queria que receassem a sua companhia. Da mesma forma: passeemos, enfearam, ceaste, receeis (só existe iquando o acento cai no e que precede a terminação ear: receiem, passeias, enfeiam).

 

60 – Eles “tem” razão. No plural, têm é assim, com acento. Tem é a forma do singular. O mesmo ocorre com vem e vêm e põe põemEle tem, eles têm; ele vem, eles vêm; ele põe, eles põem.

 

61 – A moça estava ali “há” muito tempo. Haver concorda com estava. Portanto: A moça estava ali havia (fazia) muito tempo. / Ele doara sangue ao filho havia (fazia) poucos meses. / Estava sem dormir havia (fazia) três meses. (O havia se impõe quando o verbo está no imperfeito e no mais-que-perfeito do indicativo.)

 

62 – Não “se o” diz. É errado juntar o se com os pronomes o, a, os e as. Assim, nunca use: Fazendo-se-os, não se o diz (não se diz isso), vê-se-a, etc.

 

63 – Acordos “políticos-partidários”. Nos adjetivos compostos, só o último elemento varia: acordos político-partidários. Outros exemplos: Bandeiras verde-amarelas, medidas econômico-financeiras, partidos social-democratas.

 

64 – Fique “tranquilo”. O pronunciável depois de q e g e antes de e e i exige trema: Tranqüilo, conseqüência, lingüiça, agüentar, Birigüi.

 

65 – Andou por “todo” país. Todo o (ou a) é que significa inteiro: Andou por todo o país (pelo país inteiro). / Toda a tripulação (a tripulação inteira) foi demitida. Sem o, todo quer dizer cada, qualquer: Todo homem (cada homem) é mortal. / Toda nação (qualquer nação) tem inimigos.

 

66 – “Todos” amigos o elogiavam. No plural, todos exige osTodos os amigos o elogiavam. / Era difícil apontar todas as contradições do texto.

 

67 – Favoreceu “ao” time da casa. Favorecer, nesse sentido, rejeita aFavoreceu o time da casa. / A decisão favoreceu os jogadores.

 

68 – Ela “mesmo” arrumou a sala. Mesmo, quanto equivale a próprio, é variável: Ela mesma (própria) arrumou a sala. / As vítimas mesmas recorreram à polícia.

 

69 – Chamei-o e “o mesmo” não atendeu. Não se pode empregar o mesmo no lugar de pronome ou substantivo: Chamei-o e ele não atendeu. / Os funcionários públicos reuniram-se hoje: amanhã o país conhecerá a decisão dos servidores (e não “dos mesmos”).

 

70 – Vou sair “essa” noite. É este que desiga o tempo no qual se está ou objeto próximo: Esta noite, esta semana (a semana em que se está), este dia, este jornal (o jornal que estou lendo),este século (o século 21).

 

71 – A temperatura chegou a 0 “graus”. Zero indica singular sempre: Zero grau, zero-quilômetro, zero hora.

 

72 – A promoção veio “de encontro aos” seus desejos. Ao encontro de é que expressa uma situação favorável: A promoção veio ao encontro dos seus desejos. De encontro a significa condição contrária: A queda do nível dos salários foi de encontro às (foi contra) expectativas da categoria.

 

73 – Comeu frango “ao invés de” peixe. Em vez de indica substituição: Comeu frango em vez de peixe. Ao invés de significa apenas ao contrário: Ao invés de entrar, saiu.

 

74 – Se eu “ver” você por aí… O certo é: Se eu vir, revir, previr. Da mesma forma: Se eu vier (de vir), convier; se eu tiver (de ter), mantiver; se ele puser (de pôr), impuser; se ele fizer (defazer), desfizer; se nós dissermos (de dizer), predissermos.

 

75 – Ele “intermedia” a negociação. Mediar e intermediar conjugam-se como odiarEle intermedeia (ou medeiaa negociação. Remediar, ansiar e incendiar também seguem essa norma: Remedeiam, que eles anseiem, incendeio.

 

76 – Ninguém se “adequa”. Não existem as formas “adequa”, “adeqüe”, etc., mas apenas aquelas em que o acento cai no a ou oadequaram, adequou, adequasse, etc.

 

77 – Evite que a bomba “expluda”. Explodir só tem as pessoas em que depois do d vêm e iExplode, explodiram, etc. Portanto, não escreva nem fale “exploda” ou “expluda”, substituindo essas formas por rebente, por exemplo. Precaver-se também não se conjuga em todas as pessoas. Assim, não existem as formas “precavejo”, “precavês”, “precavém”, “precavenho”, “precavenha”, “precaveja”, etc.

 

78 – Governo “reavê” confiança. Equivalente: Governo recupera confiança. Reaver segue haver, mas apenas nos casos em que este tem a letra vReavemos, reouve, reaverá, reouvesse. Por isso, não existem “reavejo”, “reavê”, etc.

 

79 – Disse o que “quiz”. Não existe z, mas apenas s, nas pessoas de querer e pôrQuis, quisesse, quiseram, quiséssemos; pôs, pus, pusesse, puseram, puséssemos.

 

80 – O homem “possue” muitos bens. O certo: O homem possui muitos bens. Verbos em uir só têm a terminação uiInclui, atribui, polui. Verbos em uar é que admitem ueContinue, recue, atue, atenue.

 

81 – A tese “onde”… Onde só pode ser usado para lugar: A casa onde ele mora. / Veja o jardim onde as crianças brincam. Nos demais casos, use em queA tese em que ele defende essa idéia. / O livro em que… / A faixa em que ele canta… / Na entrevista em que…

 

82 – Já “foi comunicado” da decisão. Uma decisão é comunicada, mas ninguém “é comunicado” de alguma coisa. Assim: Já foi informado (cientificado, avisadoda decisão. Outra forma errada: A diretoria “comunicou” os empregados da decisão. Opções corretas: A diretoria comunicou a decisão aos empregados. / A decisão foi comunicada aos empregados.

 

83 – Venha “por” a roupa. Pôr, verbo, tem acento diferencial: Venha pôr a roupa. O mesmo ocorre com pôde (passado): Não pôde vir. Veja outros: fôrma, pêlo pêlos (cabelo, cabelos), pára(verbo parar), péla (bola ou verbo pelar), pélo (verbo pelar), pólo pólos. Perderam o sinal, no entanto: Ele, toda, ovo, selo, almoço, etc.

 

84 – “Inflingiu” o regulamento. Infringir é que significa transgredir: Infringiu o regulamento. Infligir (e não “inflingir”) significa impor: Infligiu séria punição ao réu.

 

85 – A modelo “pousou” o dia todo. Modelo posa (de pose). Quem pousa é ave, avião, viajante, etc. Não confunda também iminente (prestes a acontecer) com eminente (ilustre). Nemtráfico (contrabando) com tráfego (trânsito).

 

86 – Espero que “viagem” hoje. Viagem, com g, é o substantivo: Minha viagem. A forma verbal é viajem (de viajar): Espero que viajem hoje. Evite também “comprimentar” alguém: de cumprimento (saudação), só pode resultar cumprimentar. Comprimento é extensão. Igualmente: Comprido (extenso) e cumprido (concretizado).

 

87 – O pai “sequer” foi avisado. Sequer deve ser usado com negativa: O pai nem sequer foi avisado. / Não disse sequer o que pretendia. / Partiu sem sequer nos avisar.

 

88 – Comprou uma TV “a cores”. Veja o correto: Comprou uma TV em cores (não se diz TV “a” preto e branco). Da mesma forma: Transmissão em cores, desenho em cores.

 

89 – “Causou-me” estranheza as palavras. Use o certo: Causaram-me estranheza as palavras. Cuidado, pois é comum o erro de concordância quando o verbo está antes do sujeito. Veja outro exemplo: Foram iniciadas esta noite as obras (e não “foi iniciado” esta noite as obras).

 

90 – A realidade das pessoas “podem” mudar. Cuidado: palavra próxima ao verbo não deve influir na concordância. Por isso : A realidade das pessoas pode mudar. / A troca de agressões entre os funcionários foi punida (e não “foram punidas”).

 

91 – O fato passou “desapercebido”. Na verdade, o fato passou despercebido, não foi notado. Desapercebido significa desprevenido.

 

92 – “Haja visto” seu empenho… A expressão é haja vista e não varia: Haja vista seu empenho. / Haja vista seus esforços. / Haja vista suas críticas.

 

93 – A moça “que ele gosta”. Como se gosta de, o certo é: A moça de que ele gosta. Igualmente: O dinheiro de que dispõe, o filme a que assistiu (e não que assistiu), a prova de que participou, o amigo a que se referiu, etc.

 

94 – É hora “dele” chegar. Não se deve fazer a contração da preposição com artigo ou pronome, nos casos seguidos de infinitivo: É hora de ele chegar. / Apesar de o amigo tê-lo convidado… / Depois de esses fatos terem ocorrido…

 

95 – Vou “consigo”. Consigo só tem valor reflexivo (pensou consigo mesmo) e não pode substituir com você, com o senhor. Portanto: Vou com você, vou com o senhor. Igualmente: Isto é para o senhor (e não “para si”).

 

96 – Já “é” 8 horas. Horas e as demais palavras que definem tempo variam: Já são 8 horas. / Já é (e não “são”1 hora, já é meio-dia, já é meia-noite.

 

97 – A festa começa às 8 “hrs.”. As abreviaturas do sistema métrico decimal não têm plural nem ponto. Assim: 8 h, 2 km (e não “kms.”), 5 m, 10 kg.

 

98 – “Dado” os índices das pesquisas… A concordância é normal: Dados os índices das pesquisas… / Dado o resultado… / Dadas as suas idéias…

 

99 – Ficou “sobre” a mira do assaltante. Sob é que significa debaixo de: Ficou sob a mira do assaltante. / Escondeu-se sob a cama. Sobre equivale a em cima de ou a respeito de: Estava sobre o telhado. / Falou sobre a inflação. E lembre-se: O animal ou o piano têm cauda e o doce, calda. Da mesma forma, alguém traz alguma coisa e alguém vai para trás.

 

100 – “Ao meu ver”. Não existe artigo nessas expressões: A meu ver, a seu ver, a nosso ver.

 

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JamilSilva – Mensagens

Blog da Crítica — Um diálogo sobre o falsificacionismo — Por Desidério Murcho

20 DE MAIO DE 2009

Um diálogo sobre o falsificacionismo

Acabo de publicar um pequeno diálogo que escrevi em resposta às interrogações que surgiram na sequência dos posts Um Pequeno Exercício: Ciência e Falsificabilidade“, “Falsificabilidade Outra Vez” e “Falsificacionismo e Necessidade“. Espero que seja esclarecedor e que suscite o debate.

39 comentários:

  1. Bom esforço mas ainda não consegui entrar dentro da discussão, e até andei a ler outras coisas sobre a falsificabilidade.

    Vou fazer um comentário longo e com pouco interesse para este debate, é só para dizer umas coisas sobre ciência.
    Uma coisa que para mim chega a ser irritante em todos estes tipos de discussão é a de se dizer que as leis de Newton estão erradas! Bem, se as leis de Newton estão erradas porque é que a NASA as usa para pôr foguetões em órbita e porque é que são usadas todos os dias em muitas situações? É que nestes casos as leis de Newton tem uma precisão muito grande, e em muitos casos estão tão certas como a relatividade porque os corpos têm uma velocidade tão pequena que os efeitos relativísticos podem ser completamente desprezados porque nem existem instrumentos que consigam medir efeitos tão pequenos para velocidades pequenas.
    Se as leis de Newton estão erradas todas as leis da física estão erradas! Há casos em que a relatividade também não explica certos fenómenos, ou não “casa” bem com a quântica. A maior parte, ou todas, as leis da física têm determinadas restrições e só se podem aplicar em determinados casos, como a lei de ohm que é muito dependente da temperatura.
    Outra coisa que reparei é que o Desidério apresenta exemplos ciêntíficos que são mais próprios das… humanidades! Vou tentar explicar. O tipo de gases que se descobriram em Marte ou o valor da velocidade da luz não são coisas realmente muito importantes (claro que são mas eu já explico isto). O valor da velocidade da luz resulta apenas de uma medição, e também se pode medir a velocidade da luz no quartzo, ou no diamante, ou no vidro. Não são coisas muito importantes, são coisas para pôr em catálogos, tabelas, como fazem os antropólogos. A descoberta de certos gazes em Marte é a mesma coisa. Não há nenhuma teoria na física que preveja um valor para a velocidade da luz. A medição da velocidade da luz não pode estar errada, tem um erro, que já foi maior porque os instrumentos evoluem, mas é completamente impossível que amanhã alguém descubra que a velocidade da luz é de 100 km por hora. É o mesmo que descobrir que afinal o Desidério mede 10 metros em vez dos 1,75 cm (estou a faze-lo muito baixo?). 
    Aquilo que acho que é realmente importante em ciências como a física não são essas medidas, esse catalogar, o que é importante é a capacidade de prever sem medir. Por exemplo, alguém que queira construir um circuito electrónico para determinados fins, limita-se a fazer uns cálculos no papel, usando leis que são conhecidas e depois montar o circuito, sabendo à partida que se não cometer nenhum erro, depois de tudo montado o circuito vai funcionar. Isso é que é importante, a capacidade de prever, de calcular o que vai acontecer.
    E é aí que pode estar o erro, pode descobrir-se que as leis não funcionam sobre certas condições.
    Mas isto também é uma coisa banal na física e eu não percebo porque certos autores insistem tanto que os cientistas não gostam de leis novas quando há por aí montes de exemplos de fenómenos para os quais se usam várias teorias para os tentar explicar.
    Aquilo que distingue as ciências como a física da psicologia, por exemplo, é a capacidade de prever e não a de medir. Se a física pode medir a velocidade da luz no vidro a psicologia pode medir o QI do Desidério, mas a física tem a capacidad de prever a velocidade da luz num vidro diferente usando as leis de Snell e a psicologia não tem essa capacidade de prever o QI de um individuo usando parâmetros como o ângulo do nariz ou a área da testa.
    É aí que se pode tentar encontrar a tal definição filosófica que distinga uma ciência que tem a capacidade de prever de outra que não, como a astrologia.

    Miguel Real

    Responder

  2. O que eu tinha percebido do Popper deve estar completamente errado, e que era o seguinte: as leis da ciência servem para prever determinados fenómenos mas pode vir a descobrir-se que estão erradas, como as de Newton para velocidades próximas da da luz, e então tem que se encontar outras leis. E tinha percebido que o que ele queria dizer é que a astrologia nem sequer tem isso, que não tem leis que possam ser falsificávei porque estão sempre erradas!
    Eu sei que isto pode parecer cómico a um filósofo profissional, demasiado simplório, mas já agora ficam a saber como é que alguém ligado às ciências pensa sobre estas coisas.
    Desculpem o comentário exageradamente longo e que não acrescenta nada, julgo.
    Vou continuar atento e esforçar-me mais um pouco para perceber a vossa ideia da ciência.

    Miguel Real

    Responder

  3. Desidério, além do que referes no teu diálogo, poderíamos ainda levantar uma objecção mais geral e mais básica à motivação que está na origem da ideia de falsificabilidade.

    Popper rejeita a indução como base do raciocínio científico porque a indução, ao contrário do que muitos pareciam pensar, nunca pode garantir que uma dada teoria é verdadeira. Venha de lá o número de corvos negros que quisermos: isso nunca poderá verificar a teoria de que todos os corvos são negros. Por isso, acha que a indução é cientificamente decepcionante e, com ela, vai ao ar também a ideia de verificabilidade das teorias científicas.

    Mas o que propõe em troca? Algo que nos garanta o que a indução não consegue garantir? É claro que não, pois a falsificabilidade (que recorre ao raciocínio dedutivo) também não garante seja o que for; também não garante que as teorias científicas são verdadeiras. Basicamente, a falsificabilidade encontra os mesmos limites que a indução.

    Ora bolas! Ficamos onde estávamos. Na verdade, o que ele faz é trocar a ideia de probabilidade pela ideia de corroboração. Em ambos os casos estamos impedidos de tomar as teorias como verdadeiras. Em suma, que se ganha em substituir teorias provavelmente verdadeiras por teorias corroboradas? Avança-se mais depressa? Talvez, mas daí não se segue que haja algo errado na indução.

    Não sei se a minha ideia ficou clara. Espero que sim.

    Responder

  4. Caro Miguel Real,

    «O que eu tinha percebido do Popper deve estar completamente errado, e que era o seguinte: as leis da ciência servem para prever determinados fenómenos mas pode vir a descobrir-se que estão erradas, como as de Newton para velocidades próximas da da luz, e então tem que se encontar outras leis. E tinha percebido que o que ele queria dizer é que a astrologia nem sequer tem isso, que não tem leis que possam ser falsificávei porque estão sempre erradas!»

    Parece-me que percebeu bem a primeira parte, mas a segunda não bate bem com a primeira. Segundo Popper, a astrologia não é uma ciência por fazer previsões que estão sempre erradas. Aliás, ele aceita que muitas vezes as previsões astrológicas até possam bater certo, o que considera completamente irrelevante. O que mostra que a astrologia não é uma ciência é o facto de os astrólogos protegerem sistematicamente as suas teorias da falsificabilidade. Assim, as previsões dos astrólogos são formuladas de tal modo que tornam praticamente impossível falsificá-las, dado que eles não conseguem dizer claramente que casos possíveis a poderiam falsificar. Pelo contrário, quando surge um caso que parece contrariar a previsão do astrólogo, este imediatamente se esforça por mostrar que tal não aconteceu, recorrendo a uma série de explicações nesse sentido.

    Só mais duas notas.

    O Miguel fala como se os filósofos tivessem todos a mesma ideia de ciência, o que é falso. Aliás, alguns filósofos da ciência foram também físicos, biólogos, etc. (Kuhn, por exemplo, foi físico).

    Finalmente, não é verdade que os filósofos em geral pensem que as leis de Newton estejam pura a simplesmente erradas. É verdade que há por aí alguma vulgata pseudo-filosófica que repete esse chavão, mas isso só muito vagamente tem que ver com filosofia da ciência. É como a ideia de que Gödel mostrou que nem na matemática há verdades, que Einstein mostrou que tudo é relativo e que Heisenberg mostrou que na ciência tudo é incerto.

    Responder

  5. Aires, obrigado pela explicação. Eu sei que há várias correntes filosóficas e que há físico e matemáticos, por exemplo, que fizeram filosofia, até aí eu sei! Desculpe a falta de precisão.
    Claro que a astrologia pode fazer previsões que podem estar certas por acaso, se eu adivinhar que para o ano o Porto vai ser campeão tenho uma grande probabilidade de acertar.
    Isto faz-me lembrar que também deve ser difícil para os filósofos definir qual é a certeza de uma lei científica para se poder considerar que ela é verdadeira, porque qualquer lei da ciência está sujeita a erro, embora muitas vezes seja pequeníssimo.
    O que também me faz lembrar que muitas vezes a mecânica quântica é falada como uma teoria em que só se lida com probabilidades. Isto é completamente errado, há cálculos na quântica que estão certos até muitas casas decimais, é uma das teorias mais sólidas da física, não tem nada que ver com os resultados sairem ao acaso, como muita gente parece entender. Por exemplo, é possível calcular a cor do ouro usando a quântica e obter resultados que coincidem completamente (há sempre um erro) com o resultado experimental.
    A quântica preve que há um material que é mais duro que o diamante, o nitreto de carbono, que é um material que não existe na natureza e que ainda não foi sintetizado e que se anda a tentar fazer em câmaras de alta pressão. É para este tipo de coisas que as leis físicas são úteis, para prever. Mas se calhar este composto vai ter uma distância inter-atómica que não é bem bem a prevista. É aí que eu acho que será difíl dizer se a tal afirmação da quãntica é verdadeira, falsa, contingente, etc. Isso escapa-me.

    Miguel Real

    Responder

  6. Acho que uma fonte de dificuldade aqui é pensarmos intuitivamente que as “proposições” não são itens do mundo, independentes das nossas crenças. Acho que há uma tendência a dar às proposições o estatuto de crenças. Assim, confundimos o “poder estar enganado” ou “ter muita certeza”, com a questão da contingência ou necessidade das proposições.

    Estas coisas ficam mais claras quando nos habituamos a separar duas áreas que tendemos a confundir frequentemente, e acho que é o caso do Miguel: o epistémico (o estado do nosso conhecimento, as nossas crenças, ideias, etc) e o metafísico (o modo como as coisas são independentemente das nossas crenças). Considere-se a afirmação “Há outros planetas com vida inteligente” – mesmo que nunca possamos saber a verdade acerca desta proposição, ela é, neste momento, ou verdadeira ou falsa. A proposição “a água é H2O” já era verdadeira no tempo de Guilherme de Ockham. O facto de ninguém a ter formulado ou o estado geral das crenças das pessoas na época é outra coisa. A frase “a água é H2O” exprime uma proposição. Embora a linguagem usada para formular a proposição seja uma criação nossa, a proposição em si é um item do mundo, independente de nós. Se for verdadeira continuaria a ser verdadeira se desaparecêssemos e já era verdadeira antes de pensarmos nela.

    Podemos estar enganados ao acreditar que x é uma lei da natureza ou de que A é uma afirmação verdadeira. Mas independentemente das nossas crenças x ou é ou não é uma lei da natureza e A é verdadeira, ou não.

    Quando dizemos que uma afirmação ou proposição é contingente ou necessária, não estamos a falar de nós, do estado das nossas crenças, de podermos ou não estar enganados, estamos a falar do modo como as coisas, o mundo, são. A partir daqui só precisamos de aplicar a semântica dos termos “necessário”, “contingente”, “possível”, etc. – Se a água não podia deixar de ser H2O, a proposição é necessariamente verdadeira. Se podia deixar de ser H2O, é contingente, e por aí em diante.

    A certeza que atribuímos a uma proposição, por exemplo, é uma noção epistémica. Nada tem a ver com a verdade da proposição em si. Refere-se ao estado dos nossos conhecimentos e crenças. Podemos ter um elevado grau de certeza numa proposição e ainda assim ela mostrar-se falsa. O máximo grau de certeza não torna proposição alguma necessária, nem um grau mediano de certeza a torna contingente. É o mundo que torna as proposições necessárias ou contingentes. A ciência pode enganar-se ao atribuir a x o estatuto de lei da natureza (afinal x nao é uma lei da natureza), mas se x for uma lei da natureza, esta verdade é independente do nosso grau de certeza e dos meios que temos para verificar se x é mesmo uma lei da natureza.

    claro que muitas pessoas serão da opinião que não há leis da natureza, tudo são construções ou ficções úteis. É o que em metafísica se chama uma posição “anti-realista”. Estas pessoas tendem a ver as afirmações da ciência apenas como invenções úteis, que funcionam melhor ou pior, mas que nada têm a ver com o modo como o mundo está efectivamente estruturado.

    Responder

  7. Vou fazer um comentário sem ter lido os comentários anteriores. Depois vou lê-los com calma.

    Desidério

    acabei de ler seu diálogo sobre o falsificacionismo e discordei das suas conclusões. Eu não penso que “falsificável” quer dizer apenas “podemos estar enganados”, mas sim que “podemos conceber experimentos ou contra-exemplos capazes de refutar uma conjectura científica”. Se a afirmação “nenhum corpo se movimenta a uma velocidade superior à da luz” é verdadeira, certamente não econtramos nenhum contra-exemplo ou caso empírico que refute essa afirmação. Mas da impossibilidade de encontrar um contra-exemplo nesse caso, pois se trataria de uma verdade fundamental da física, não se segue a impossibilidade de conceber ou propor situações empíricas que seriam um contra-exemplo para essa afirmação. Portanto uma verdade empírica pode ser necessária e falsificável, ao mesmo tempo.

    Eu acredito que esse é um dos critérios necessários para distinguir ciência e pseudociência, concordando em parte com Popper nesse caso. Mas não penso que “falsificável” quer dizer apenas “podemos estar enganados”. Aplicando esse princípio no problema da demarcação percebemos como ele é importante. Ele determina a diferença entre ciências como a física e pseudociências como a psicanálise, por exemplo: nas últimas não podemos conceber nenhuma situação capaz de refutar ou testar a teoria, pois a teoria já contem em si mesma resposta pra tudo, incluindo possíveis contra-exemplos. Nas teorias físicasisso não ocorre: podemos passar uma eternidade tentando provar que uma teoria verdadeira é falsa, obviamente sem sucesso, mas ainda assim podemos testar a teoria e é isso que faz toda a diferença. 

    No que diz respeito à recusa da indução discordo completamente de Popper, mas este já é outro problema.

    Responder

  8. Chama-se “pragmatista” à posição que o Miguel está a defender. A ideia é que é irrelevante que uma dada teoria científica seja verdadeira ou não, desde que permita fazer boas previsões. Os positivistas lógicos, que eram quase todos cientistas, tinham tendência para defender algo como isto. Do modo como o Miguel apresenta o pragmatismo, é pura e simplesmente indefensável. Talvez outra versão seja mais plausível, mas esta versão é indefensável, por duas razões. 

    Primeiro, porque a explicação mais plausível para o grau de previsibilidade de uma teoria é precisamente o seu grau de verdade. Seria bizarro ter uma teoria completamente errada e com um elevado grau de sucesso de previsibilidade. 

    Segundo, porque a razão pela qual a previsibilidade é tão importante é porque é um guia da verdade. Queremos teorias com um bom poder previsivo porque isso é um indício da sua verdade e porque queremos compreender melhor a realidade, e não porque estejamos apenas interessados nas aplicações da ciência.

    Finalmente, note-se que se o falsificacionismo de Popper fosse uma teoria verdadeira, não poderia ter contra-exemplos óbvios. Achei divertido que o Miguel tivesse precisamente a atitude dos astrólogos perante os contra-exemplos: rejeitá-los como contra-exemplos genuínos por não serem do tipo certo.

    Uma última nota: chama-se “problema das leis ou condições ceteris paribus” ao que facto de praticamente nenhuma teoria ser completamente precisa, funcionando apenas aproximadamente no mundo real e sempre apenas em determinadas condições. Daqui não se segue que a perspectiva pragmatista da ciência é verdadeira. Segue-se apenas que as teorias científicas estão todas de facto parcialmente erradas. É como a magia dos mágicos: só funciona em certos casos.

    Responder

  9. Boa objecção, Matheus. Tome-se uma proposição P. A ideia de Popper seria que essa proposição seria científica se, e só se, a sua falsidade for concebível, no seguinte sentido: podemos imaginar circunstâncias que tornariam P falsa. E a resposta à minha objecção seria que essas circunstâncias não têm de ser realmente possíveis: basta que possamos imaginá-las. Deste modo, P poderia ser necessariamente verdadeira, mas mesmo assim haveria circunstâncias meramente concebíveis, mas não realmente possíveis, que tornariam P falsa. Ao passo que nas pseudociências o palavreado é tipicamente feito de maneira a nem se conseguir saber o que poderia falsificar as suas afirmações cruciais. 

    Mas mesmo assim não estou convencido, pelo seguinte. 

    Em primeiro lugar, as pseudociências fazem afirmações perfeitamente falsificáveis, nesse sentido. O que se passa é que os seus partidários reinterpretam sempre o que é afirmado para fugir das objecções. As teorias de Marx e Freud (presumindo como Popper que se trata de pseudociências) permitem fazer previsões, assim como as teorias dos astrólogos e a numerologia. Acontece apenas que os seus defensores são desonestos intelectualmente e sempre que algo parece refutar o que dizem, reinterpretam o que dizem. Não é a própria proposição defendida que é em sim infalsificável; há é uma atitude epistemicamente viciosa de reinterpretação permanente. O que está errado não é P, mas a atitude epistémica perante P. Portanto, parece-me que não é o carácter falsificável de P que demarca as ciências das pseudociências. 

    Em segundo lugar, não é óbvio que possamos realmente imaginar circunstâncias que falsifiquem P quando P é uma verdade necessária. Depende do que entendemos por conceber ou imaginar. Num certo sentido, não se consegue sequer conceber um planeta no qual a água não fosse H2O, apenas parece que se concebe tal coisa, mas no seio da nossa concepção há uma contradição ou confusão. 

    Esta segunda resposta não é muito convincente, contudo, e a tua objecção tem muita força — excepto que não é a infalsificabilidade que caracteriza a pseudociência, mas a atitude epistémica dos seus partidários.

    Responder

  10. O marxismo gerou previsões que foram falsificadas: que as nações tecnologicamente mais avançadas entrariam em ruptura revolucionária e que o fim do capitalismo se seguiria.

    Quando tudo aconteceu ao contrário tratou-se de rever a teoria, fingindo que não se estava realmente a rever a teoria.

    Responder

  11. Desidério, aceito qualquer crítica, não sei nada sobre este assunto, só estou a começar a saber destas coisas agora.
    Não percebi o facto de uma teoria fazer excelentes previsões e não ser verdadeira. Como é que é possível? Eu disse isso?
    Outra coisa, há muitas leis que não têm poder explicativo, apenas prevêm. Há muitas coisas por explicar embora sejam possíveis de prever. Um dos exemplos é a quântica, sabe-se que um eletrão tem uma determinada probabilidade de estar numa certa posição, mas não se sabe porque não vai estar ali. Na física clássica também há montes de exemplos desses.
    Também não percebi onde é que tive uma atitude de astrólogo!
    Sou mesmo muito pragmático, ainda tenho que suar muito antes de poder entrar nesta discussão. Vou continuar atento.

    Miguel Real

    Responder

  12. Sim, Miguel: previsão é muito diferente de explicação. Na verdade o pragmatismo caracteriza-se por deitar às urtigas a explicação, e dar apenas atenção à previsão.

    A teoria newtoniana permite fazer previsões muitíssimo precisas, mas é literalmente falsa. É isso que significa dizer que se aplica em certas circunstâncias mas não noutras. 

    (risos) Quanto à atitude de astrólogo: quando se apresenta um contra-exemplo ou um contra-argumento a única resposta racional é fazer como o Matheus: ir directo ao caso e argumentar contra. Quando o Miguel começou a dizer que os meus exemplos não refutam a teoria de Popper, está a fazer como os astrólogos, que perante indícios contrários às suas ideias dizem que são o tipo errado de indícios.

    Responder

  13. Ou seja: se a teoria de Popper está certa, todas as afirmações científicas empíricas, para serem científicas, têm de ser falsificáveis. Eu argumentei no diálogo que isso na melhor das hipóteses só se aplica a afirmações contingentes. A única maneira de reagir a isto é negar que a falsificabilidade não possa aplicar-se a afirmações empíricas necessárias, como fez o Matheus, e não alegar que certas afirmações não precisam de ser falsificáveis, apesar de serem empíricas, porque são… do tipo que não precisa de ser falsificável!

    Responder

  14. Desidério, eu nunca quis dizer que os seus exemplos não refutam a teoria de Popper porque primeiro eu tinha que percebe-la. O que eu disse é que se calhar não serão os melhores exemplos porque são medições, se fossem leis gerais seria melhor, nada mais.
    Quanto à teoria Newtoniana eu só quis dizer que se ela está assim tão errada, então quase todas as outras também estão. Para mim é boa, é a que se usa, apesar de saber as suas limitações.

    Miguel Real

    Responder

  15. Talvez eu seja um pragmático explicativo porque também dou bastante importância à explicação, que normalmente é o mais difícil.
    As leis de Newton para sistemas não relativistas são iguais às da relatividade, por isso não são muito más. Se houvesse alguma lei tão boa nas ciências sociais, seria um enorme passo para elas!
    Eu nunca disse que os exemplos do Desidério não refutam a teoria do Popper porque… não a percebo! Eu só queria dizer que poderia ter escolhido exemplos melhores, leis gerais, e não medidas, só queria ajudar.
    Por aquilo que li, eu sou o comentador que menos sabe sobre esta discussão, até fiquei envergonhado ao pensar nisso, e arranjei a desculpa de que se o Popper se espetou nesta esta discussão (e não terá sido o único) eu também tenho desculpa, embora isto não me console muito, porque gostava de saber mais sobre o assunto e por isso vou tentar comprar os livros que sugeriu para aprender o que tenho andado a fazer na vida!

    Miguel Real

    Responder

  16. Nesse caso quase nenhuma teoria, seja ela científica ou não, está errada, porque quase todas são úteis em algumas circunstâncias especiais. O curandeiro mágico parece curar algumas vezes, e a teoria geocêntrica funciona bem para navegar e fazer pontes, a agricultura xamane não deixa as pessoas morrer de fome, e as teorias da conspiração dão emprego e servem de passatempo a muita gente.

    Uma teoria errada pode ter consequências verdadeiras em certas circunstâncias e portanto aplicações úteis nessas mesmas circunstâncias. Não é menos errada por isso.

    Compreender as ciências — assim como compreender as artes ou a religiões ou o pensamento comum — é muito difícil e é uma das tarefas da filosofia. Do mesmo modo que uma pessoa comum, que evidentemente tem intuições básicas sobre corpos a cair e operações de aritmética, não está melhor qualificada para compreender os aspectos científicos, também os cientistas ou os poetas não estão melhor qualificadas para compreender os aspectos filosóficos das suas actividades. As ideias filosóficas, como as científicas, são inevitáveis; todos as temos. Mas tal como isso não faz de toda a gente cientistas, também não faz de toda a gente filósofos. A filosofia é uma área tão sofisticada da investigação humana quanto as ciências em geral, e é muito mais densa teoricamente do que muitas delas.

    Responder

  17. Oi Desidério

    penso que você está correto em parte na primeira resposta. De fato a psicanálise e a teoria de Marx possuem consequências falsificáveis, sou obrigado a concordar com você. Mas não penso que isso é uma característica de todas as teorias pseudocientíficas, basta pensar na parapasicologia, por exemplo. Contudo, isso é quase irrelevante como uma resposta à acusão que o critério de demarcação de Popper não funciona. Portanto, resumindo, você está certo.

    Quanto à segunda resposta, sobre a concetibilidade metafisica. Só parece difícil conceber que a água não seja H2O, porque você já parte do pressuposto de que a água é H2O. Um contra-exemplo a essa afirmção não seria a descoberta de que “a água que é H2O mas não é H2O”, mas sim que a água não é H2O. Parece difícil conceber isso porque tendemos a pensar que a descoberta seria algo como “a água que é H2O mas nãoé H2O”, mas isso não é necessário. 

    Para refutar a tese de que nenhum corpo pode atingir uma velocidade maior do que a luz, por exep, basta pensar numa descoberta de um corpocapaz de atingir uma velocidade superior à da luz.

    Responder

  18. Usei o termo “necessário” demaneira descuidada no comentário anterior, peço desculpas.

    “Parece difícil conceber isso porque tendemos a pensar que a descoberta seria algo como “a água que é H2O mas nãoé H2O”, mas isso não é necessário”.

    Com o uso do termo “necessário” queria apenas dizer que isso não é verdade.

    Responder

  19. Ah, tens razão. Nada impede quem não sabe se a água é ou não H2O de conceber a hipótese de o não ser.

    Responder

  20. “A teoria newtoniana permite fazer previsões muitíssimo precisas, mas é literalmente falsa. É isso que significa dizer que se aplica em certas circunstâncias mas não noutras.”

    Isto faz-me confusão. Qual é a teoria que é aplicável fora do seu domínio de validade?

    António Passos

    Responder

  21. Desidério, eu esqueço-me que você não é físico, vou tentar explicar melhor o que quero dizer.
    Na física as leis nunca representam a realidade como ela é, por exemplo na relatividade diz-se que existe um corpo com massa m, etc, e é por isso que depois há choques com a quântica. Os corpos não são um ponto com massa m, são um conjunto de muitas partículas com massa.
    Na física há leis que funcionam bem para sistemas não relativistas mas que não funcionam bem quando as coisa têm velocidades altas.
    Outra grande divisão que há na física é nas leis que funcionam bem para sistemas macroscópicos e que não funcionam bem para sistemas microscópicos, como nanopartículas.
    E porquê? Porque se fazem aproximações à realidade e as coisas nunca são bem assim. Nós estamos tão habituados a isso que nem ligamos!
    Por exemplo, nas equações de Maxwell pode assumir-se uma distribuição perfeita de cargas, mas isso não existe, o que existem são cargas pontuais, os electrões, por exemplo, e quando se tentam usar as estas equações para pequenas partículas, como quantum dots, tem que se usar outras coisas porque mesmo 1000 átomos já são poucos para dizer que as coisas são uniformes, como se não houvesse átomos e tudo fosse um contínuo. As equações de Maxwell têm problemas com a nanociência, normalmente mistura-se a quântica para tentar explicar certos fenómenos, e há muitos que estão por explicar.
    Há montes de outras leis que funcionam assim, que dizem que há uma área tal, que tem uma distribuição contínua de qualquer coisa, etc. Mas a realidade não é essa. Claro que se fazem essas aproximações e os resultados têm um erro pequeníssimo, muito pequeno mesmo.
    Na física usam-se sempre estes truques das aproximações à realidade para se poderem fazer cálculos, senão não se saía do sítio. Mesmo na Quântica fazem-se aproximações deste tipo para poder prosseguir, como considerando que o potencial provocado pelas cargas do núcleo dum átomo (que se considera como um todo, mais uma aproximação) é infinito. Não existem potenciais infinitos, mas é o que se faz! Claro que por vezes pode aumentar-se a precisão, mudar-se as coisas.
    É sabido que a gravidade quântica não condiz muito bem com a gravidade prevista pela relatividade, por exemplo, mas não é por isso que se deixa de usar as duas teorias nos casos em que funcionam.
    Muitas vezes usam-se aquelas coisas de dizer que um determinado corpo é uma esfera de massa perfeitamente distribuida, por exemplo. Você sabe perfeitamente que não existem esferas perfeitas de massa distribuida continuamente no espaço, é evidente, há átomos, e que nunca estão bem distribuidos, há sempre defeitos nos materiais, mesmo nos cristais mais perfeitos.
    Na física funciona tudo assim, escolha a área que quiser e eu dou-lhe exemplos. Na óptica, por exemplo, fazem-se cálculos desprezando certas aberrações, escondendo coisas, para se ir calculando, depois podem fazer-se coisas mais rigorosas, etc. Mas não pense que nós não esquecemos isso, temos perfeita consciência do que fazemos e que o que fazemos é certo, apesar de depois se aprofundar, meter mais um truqe ali, etc.
    Se isto lhe parece de curandeiro, olhe, pode parecer, mas dá resultados muito bons, com muitas casas decimais certas, não duvide.
    É neste sentido que lhe digo que as leis de Newton estão certas, são como as outras, para certas condições estão certas, e se nós fossemos a usar a relatividade para casos simplíssimos, como calcular a órbita de um satélite, nunca mais saíamos do sítio, e é por isso que fazemos estes truques.
    Agora, vôce julgue isso filosóficamente, eu gostava de ouvir a sua opinião, aquilo que sei é que a maioria das leis da física são assim, ou todas, funcionam nuns casos e noutros não, exactamente por muitas vezes não representarem exactamente a natureza, por serem uma aproximação. 

    Miguel Real

    Responder

  22. O que está a dizer aplica-se a todas as teorias: em lógica, física, biologia, química. Praticamente todas as teorias que temos são imperfeitas, mas usamo-las quando não temos teorias melhores; ou quando temos teorias melhores mas não precisamos de pagar o preço pela complicação acrescida que introduzem em situações nas quais funcionam bem as teorias que sabemos estarem erradas. O que pensa o Miguel que se segue daí?

    Quem introduziu com muita determinação a reflexão filosófica sobre as cláusulas ceteris paribus das ciências foi Nancy Cartwright, nomeadamente no livro How the Laws of Physics Lie. Uma bibliografia sobre o tema está aqui:

    http://www.bris.ac.uk/metaphysicsofscience/bibliographies/laws/ceterisparibuslaws.pdf

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  23. Eu não diria que as leis da ciência mentem ou que estão erradas. Toda a gente sabe o que está a fazer, são aproximações que se fazem. Eu dou-me por contente com a mentira que existe para lá das mais de vinte casas decimais certas que muitas vezes se consegue! Essa mentira para lá das tais vinte casas decimais ofereço-a aos filósofos para poderem reflectirem sobre ela! Se me permite a brincadeia.

    Miguel Real

    Responder

  24. Vejamos se compreendi: as teorias científicas não estão erradas. Mas não são muito precisas e temos de manipular as coisas cuidadosamente para que funcionem. 

    Qual é a vantagem de dizer que não estão erradas, se na verdade não podemos aplicá-las sem truques de bastidores? Parece mais honesto dizer que as teorias têm aspectos errados e são incompletas, mas que é o melhor que temos.

    Responder

  25. Desidério, eu nunca me debrucei muito sobre o assunto nem nunca li nada sobre esta tema das leis da física mentirem, mas tenho obrigação de saber alguma coisa porque trabalho com elas todos os dias e por isso vou-lhe dar a minha opinião, que não é de especialista nem muito bem pensada. Estive à espera que alguém dissesse algo mas como ninguém contribuiu, aqui vai.
    Eu acho que as leis da física não estão erradas, as leis da física são abstrações matemáticas que obedecem às regras e por isso não são falsas, quem é falsa é a natureza, está sempre a falsear-nos!
    Dou-lhe um exemplo que acho que é a melhor maneira de explicar as coisas, muito melhor do que conversa enrolada.
    Toda a gente sabe que existe uma fórmula para calcular a área de um disco, basta multiplicar pi pelo raio ao quadrado.
    Imagine que me pedem para calcular a área de um disco de ouro. Eu pego no paquímetro, meço o diâmetro, faço os cálculos, e entrego o resultado.
    Imagine que outro me pede para medir a área de um disco de ouro mas com muito rigor, é para uma experiência não sei quê. Eu pego no paquímetro mais preciso que conseguir arranjar, faço várias medidas, mais umas médias, a seguir puxo de um truque, meto-lhe fractais, e arranjo um valor muito preciso. Se a medida antes era 100,02 mm quadrados, agora passa a ser 100,020004 mm quadrados.
    Também pode vir um tarado pedir-me que apure a coisa ao máximo, que isso dos fractais é treta, é só médias, eu que veja bem a coisa. Que é que eu poderia fazer? Meter o disco, tratá-lo durante semanas (só para o limpar completamente!) e depois passar meses num microscópio atómico a mapear toda a área do disco (ninguém faz isto) até saber a posição de todos os átomos do disco e conseguir ter a melhor aproximação possível da área do disco, que desta vez era de 100,02000400003. A partir daí não se poderia ir mais longe porque os átomos estão sempre em movimento e pronto, não se pode fazer nada.
    Conclusão: não existem círculos nem linhas rectas na natureza, existem átomos que nunca estão na mesma posição. Mas para a precisão de valores que normalmente interessam, aproximar um disco feito de átomos por uma ideia abstracta que é um disco matemático, perfeito e completamente plano, é suficiente.
    É por isso que se usam as fórmulas de Newton para calcular a órbita de um satélite ou para programar um foguetão. Que interessa calcular a órbita usando a relatividade e obtendo um erro inferior a 1 milímetro, na vez de se usar as tais mal afamadas leis Newtonianas que dão um erro de 1 milímetro, se o foguetão vai passar por turbulências na atmosfera que são imprevisíveis, se vai ser ligeiramente afectado por isso e pela imprecisão que existe sempre no funcionamento dos motores, e durante a viagem vai ter que se corrigir a trajectória várias vezes?
    Na física usam-se estes truques porque se sabe o que se está a fazer, não há mentiras nem manipulações no sentido mafioso, é tudo muito claro. Se a precisão não é muito importante, deixam-se de lado os trunfos, senão metem-se, até que deparamos com os limites da natureza.
    Mas será que há alguma diferença em usar a área de um disco calculado por uma fórmula matemática correcta, mas que não imita perfeitamente a natureza, ou usar a área real (Existe?! Imaginamos que deus nos-la forneceu!) numa experiência em que vamos depositar um tipo de moléculas na superfície desse disco? É que se depois o erro na contagem das moléculas existir, mesmo que pequeno, não nos serve de nada ter o tal valor real da área, se é que isso existe, porque no final o erro da experiência depende de todas as variáveis.
    Isto é o que eu acho neste momento, porque como disse nunca reflecti muito sobre o assunto e não me admiraro que venha a mudar de opinião, não estou a par da opinião dos filósofos sobre oassunto e se posso estar errado, apenas quis contribuir e ajudar na discussão.

    Miguel Real

    Responder

  26. As leis da física não se limitam a “obedecer às regras” (quais regras?). As leis inventadas da física de qualquer livro de ficção também obedecem às regras que o autor estabeleceu. As leis da física pretendem captar a realidade. Fazem-no imperfeitamente. Isso é trivial.

    Outra coisa diferente são os limites da nossa capacidade de medição. Isso nem está necessariamente relacionado com as leis da física. Poderíamos ter leis perfeitas, e mesmo assim ser impossível medir certas coisas com uma precisão superior a um dado valor.

    A Nancy retira consequências filosóficas do facto referido pelo Miguel de que as leis da física, para poderem ser aplicadas, exigem muitos ajustes ad hoc. Pensei que estava interessado precisamente nisso. 

    A mim isso não me surpreende. Em lógica ocorre precisamente o mesmo, e é uma disciplina mais precisa e rigorosa do que a física teórica. Na verdade, isto ocorre em qualquer teorização (se ocorre nas teorias mais sofisticadas que temos, então é natural esperar que ocorra também nas outras). A questão é: o que se segue daí? Ainda não entendi o que o Miguel pensa que se segue daí.

    Responder

  27. Bom, eu entendo uma coisa que se segue daí: segue-se que a visão infantil que muitas pessoas têm da ciência (a visão de mestre-escola, que eu não me canso de denunciar) é falsa. Mas isso eu digo aos meus alunos quando ensino lógica: todas as teorias humanas são imperfeitas, mesmo quando são muitíssimo sofisticadas e precisas, e todas precisam de muitas manobras ad hoc para funcionar correctamente. Isto significa apenas que a concepção de mestre-escola da ciência (uma coisa muito arrumadinha e perfeita e acabada e nada humana) é falsa.

    Responder

  28. Desidério, o que eu queria dizer é que a área de um disco vale pi vezes o raio ao quadrado, é uma fórmula matemática que não é errada, está certa, obedece às regras da matemática. As leis da física são feitas da mesma maneira, sobre conceitos abstractos que têm, ou é suposto terem, um equivalente real. Não é dentro das leis que há manobras ad hoc, ou se há é apenas para facilitar o poder de cálculo, é quando se transpõe as leis abstractas para a natureza real.
    Imagino que você tenha razão mas não me peça muito mais sobre o assunto, não sei o que se segue daí, nem percebi muito bem onde quer chegar, eu não sou filósofo!
    As ciências perfeitas? Nem pensar, há fenómenos banais que nem se sabe por onde lhe pegar! Mas digo-lhe que nunca conheci professores que escondam aos alunos que as ciências são coisas perfeitas e sem erro, até é um tema que é dado destaque porque é muito importante, e não estou só a falar das medidas mas também das aproximações que se fazem.

    Miguel Real

    Responder

  29. Se todas as teorias são imperfeitas nem precisamos o Popper para nada, digo eu!
    Para mim, a minha definição de lei da ciência é toda a lei que acerte em 100% dos casos para a qual está prevista e com um erro inferior a 10%. Não preciso do falsificacionismo do Popper para nada, e sempre é melhor uma definição mais ciêntífica, em que entram números e tudo! Já lhe dei a ideia, pode publicar aí pelos seus jornais de filosofia!
    Estou a brincar!

    Miguel Real

    Responder

  30. Nesse caso, as leis científicas erradas não são leis científicas. Isso é implausível porque é como dizer que uma má música não é música. Para ser uma má música, tem de ser primeiro música. Analogamente, para uma teoria científica errada ser uma teoria científica errada, tem primeiro de ser uma teoria científica. 

    A geometria e a matemática são muito diferentes da física; as primeiras não são ciências empíricas, não se descobre as suas leis (um termo aqui inadequado) observando a natureza, mas por mero cálculo. Os matemáticos não precisam de telescópios nem de microscópios nem de laboratórios nem de trabalho de campo. 

    Por outro lado, que razões poderá haver para pensar que uma teoria está completamente certa, mas depois quando vamos aplicá-la ao mundo, temos de fazer vários ajustes? Com esse tipo de mentalidade qualquer “lei” astrológica está igualmente correcta: é só uma questão de fazer os ajustes necessários.

    Responder

  31. Não sei como é que você define má música nem acredito que haja alguma definição para isso, é impossível provar que uma música é má, não me parece uma boa analogia, nem é fácil demostrar coisas com analogias. A filosofia da estética dirá algo semelhante ao que disse, julgo, não estou certo, mas se não diz está errada, eu também sei um bocado de música!
    A matemática está tão ligada à física que muitas vezes há novidades no campo da matemática que são introduzidas pelos físicos, e você sabe disso. Também há matemáticos, muitos, que trabalham na física, são áreas muito próximas.
    Eu quis explicar-lhe como é que se trabalha em física porque acho que as coisas devem ser ditas com mais rigor e não apenas de uma maneira simplista: as leis de Newton estão erradas. Os seus alunos poderão pensar que afinal estava tudo mal e que os valores que saiam das leis estavam erradíssimos e que a física é uma patranha, quando é o contrário.
    Eu trabalho em vários aceleradores de partículas, em vários pontos do mundo, e vejo a relatividade a funcionar ao vivo quando faço determinados procedimentos, mal de mim se não tivesse a relatividade. Mas não vou andar por aí a dizer, as leis de Newton estão erradas, está tudo mal, não as usem. Porque elas são usadas diáriamente e em casos em que estão absolutamente certas. Espero que você explique também isso aos seus alunos, não vão eles cair em erro.
    É só isso que queria dizer. Quanto às implicações filosóficas, deixo isso para vocês. Já lhe disse que ainda não percebi qual é a boa teoria filosófica que define bem o que é ciência e o que não é. Existe? Eu tenho a minha maneira de ver as coisas, mas como já lhe disse vou ler os livros que sugeriu, acho muito interessante esta discussão, só que de momento não tenho bagagem para participar nela.
    Na minha maneira de ver as coisas não percebo, também, como é que uma teoria astrológica, com os devides ajustes, se pode tornar uma lei científica, fico á espera de exemplos em que a leis astrológicas façam previsões acertadas como as da física, mesmo para casos restritos.
    Acho que é melhor ficar por aqui porque não o posso ajudar em mais nada, mas vou ficar atento e continuar a ler o blogue, acho que vocês fazem um trabalho interessante, parabéns, até porque não há muitas coisas como esta escritas em Português.

    Miguel Real

    Responder

  32. A filosofia não é senso comum. Do mesmo modo que temos boas razões científicas para rejeitar muitas ideias de senso comum, também temos boas razões filosóficas para rejeitar muitas ideias de senso comum. O subjectivismo em estética, que afirma que a beleza está nos olhos do observador, é uma das teorias possíveis, e não é particularmente mais óbvia do que as suas rivais. Mas é natural pensar-se isso hoje em dia antes de qualquer reflexão, tal como é natural pensar que os objectos mais pesados caem mais depressa.

    O que está em causa com as leis da ciência é o tipo de critério que se usa para declara que uma lei é verdadeira ou não. Há um critério pragmatista segundo o qual tanto faz se os pormenores não jogam bem entre si, se a aplicação da lei não é universal, se é preciso ajustes para que tudo dê certo: o que conta é que sabemos fazer esses ajustes e pronto!, funciona. Deste ponto de vista, seja o que for que funciona, seja como for, é uma lei científica e não se fala mais nisso. Mas a questão é saber que razão teremos para aceitar esta perspectiva, sobretudo por haver perspectivas alternativas. O provincianismo cognitivo consiste no seguinte: pensar que uma dada ideia é plausível só porque joga bem com o senso comum, porque não conhecemos alternativas e porque nunca nos demos ao trabalho de pensar em alternativas nem em argumentos a favor dessa ideia.

    A teoria da gravitação de Newton está errada. Como muitas outras teorias erradas, acerta em casos restritos. Está errada porque não acerta em todos os casos, como declara que acerta. É uma ingenuidade pensar que uma teoria errada dá resultados errados em todos os casos, pois nesse caso nenhuma teoria estaria errada. A teoria geocêntrica serve para fazer muitas coisas, e permite prever os movimentos dos corpos celestes. Segue-se daqui que a teoria está correcta? Se estiver correcta, a Terra está no centro do universo. Mas como noutras teorias igualmente correctas a Terra não está no centro do universo, segue-se trivialmente que a Terra está e não está no centro do universo. Esta é uma das consequências da perspectiva pragmatista: é um relativismo cognitivo difícil de engolir, segundo o qual a Terra em si não está nem deixa de estar no centro do universo, pois tudo depende da teoria que temos em vista.

    Responder

  33. Desculpe dizer-lhe, mas se você quiser ser honesto devia mostrar-me a teoria que diz que as Quatro Estações de Vivaldi é melhor do que o Requiem do Mozart ou do que o Something dos Beatles. Porque essa não existe, como é evidente, e não venha enrolar a conversa, nem me traga para aqui teorias que não são óbvias, quando fizer afirmações faça-as com segurança e certeza, que é o que eu faço, quando sei, sei, quando não sei, calo-me.
    Acho que é esta a maneira correcta de discutir um assunto, porque eu não estou aqui para ganhar nada, apenas por prazer.

    Miguel Real

    Responder

  34. Na verdade, não são muitos os filósofos que defendem que é inteiramente subjectivo dizer que uma obra de arte é melhor ou pior do que outra. A defesa mais brilhante de algo como isso é o famoso ensaio Of The Standard of Taste de Hume, mas ele defende que mesmo assim a avaliação das obras de arte não é subjectiva, num sentido robusto do termo. E muitos filósofos defendem a objectividade da avaliação estética, de um modo ainda mais robusto do que Hume. 

    Este é um caso em que as intuições das pessoas são muitíssimo influenciadas pelo seu tempo histórico; e no nosso tempo as pessoas tendem a pensar, por várias razões, nenhuma delas boa, que tudo é relativo no que respeita “aos valores”. A parte IV do livro Introdução à Estética, de Dickie (Bizâncio) é um bom ponto de partida para este tema. 

    Frank Sibley, por exemplo, defende hoje em dia uma teoria objectivista, segundo a qual os juízos de valor estético são perfeitamente susceptíveis de ser objectivos (ainda que não o sejam muitas vezes, mas isso ocorre com quaisquer outros juízos: as pessoas avaliam as coisas à balda na maior parte das vezes, seja com respeito às artes seja com respeito à queda dos corpos e é isso que as faz pensar que os objectos mais pesados caem mais depressa). 

    Mas a discussão não era sobre arte, mas sobre ciência. E a questão é entender o que poder querer dizer a ideia surpreendente de que nenhuma teoria científica está errada, e que tudo o que conta para que uma teoria seja científica é funcionar razoavelmente em certas condições. O contra-exemplo apresentado a esta ideia ainda não foi enfrentado.

    Responder

  35. Então digo-lhe que esses filósofos têm muito que aprender. Aposto com quem quiser apostar comigo que não há nenhuma teoria objectiva que afirme sem a mínima dúvida que as Quatro Estações são melhores do que o Requiem ou do que o Deixa Cheirar O Teu Bacalhau Maria. Quer uma aposta comigo? Escolha a quantia, para mim qualquer valor serve. Moster-me lá a tal teoria em que as notas são introduzidas e o computador dá pontuação, porque imagino que seja algo do estilo, muito objectivo, muito melhor do que as leis de Newton. Porque os filósofos são muito bons em definições, ou não?
    Já lhe disse como funciona a física e não afirmei que as leis de Newton não estão erradas, não insista, só lhe disse que devia explicar isso melhor. Já lhe disse que há outros exemplos que funcionam de maneira parecida para certas situações e que há teorias que apenas prevêm sem explicar. E ninguém esconde nada desses pormenores.
    Sobre o que é uma lei da ciencia e se está certa ou errada, fico á espera da resposta dos filósofos, já lhe disse que tenho que ler mais sobre o assunto. Mas se a resposta for tão boa e tão objectiva como é a resposta sobre a estética, ficarei muito desiludido.
    Não se esqueça da aposta e escolha um valor alto.

    Miguel Real

    Responder

  36. Nesse sentido de objectivo, nem partes substanciais da lógica formal é objectiva, porque não é decidível por uma máquina de Turing. Caso em que as teorias da física também não seriam objectivas. Logo, do facto de uma máquina de Turing não poder decidir se Mozart é melhor do que os U2 é irrelevante. 

    Os filósofos são tão bons em definições quanto os cientistas ou outros profissionais, pela simples razão de que nenhuma actividade relativamente sofisticada é possível sem definir conceitos cruciais. Os matemáticos definem limite, os físicos massa e os biólogos linhagem. Os carpinteiros e pedreiros e padeiros definem também termos centrais das suas actividades, tal como os juízes termos centrais do direito. 

    Quanto à ciência, podemos então aceitar que há teorias científicas falsas. O que significa que o que há de científico nas teorias científicas não pode simplesmente ser o facto de serem verdadeiras. Resta saber se o que faz de uma teoria uma teoria científica é simplesmente o facto de fazer previsões correctas. Esta ideia também não é plausível porque significaria que qualquer teoria que fizesse previsões incorrectas, não seria científica. Dado que muitas teorias científicas abandonadas ao longo da história o foram precisamente por fazerem previsões incorrectas em certos casos, seguir-se-ia que nenhuma dessas teorias era genuinamente científica, o que é implausível.

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  37. “Miguel Real”, “tinoni”, ou… “luis”:

    Acabou a peixeirada, os “já lhe disse” e os sarcasmozinhos. Isto não é o bacalhau da Maria.

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PRINC´IPIO 2.2. (Da Boa Ordem)
Todo subconjunto n˜ao vazio de 
N
possui 
elementoınimo
, ou seja, se 
B
N
com
B
=
, ent˜ao existe 
n
B
tal que 
n
m
para todo 
m
B
.

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Wikipedia defines the partition of a set as:

In mathematics, a partition of a set X is a division of X into non-overlapping “parts” or “blocks” or “cells” that cover all of X. More formally, these “cells” are both collectively exhaustive and mutually exclusive with respect to the set being partitioned.

A more succinct definition is given by Mathworld:

A set partition of a set S is a collection of disjoint subsets of S whose union is S.

Simply put, the partitions of a set S are all the ways in which you can choose disjoint, non-empty subsets of S that unioned result in S.

From now on, when I say a set of n elements, I mean {1, 2, …, n}. So, what are the subsets of {1, 2, 3}?

{1, 2, 3} {2, 3} {1} {1, 3} {2} {3} {1, 2}…

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Dependência: da teoria à prática*

http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-40141999000300012&script=sci_arttext

Estudos Avançados

Print version ISSN 0103-4014

Estud. av. vol.13 no.37 São Paulo Sept./Dec. 1999

http://dx.doi.org/10.1590/S0103-40141999000300012 

TEXTOS

 

Dependência: da teoria à prática*

 

 

Paulo Nogueira Batista Jr.

 

 

O TEMA QUE NOS propusemos discutir — a teoria da dependência e a questão da globalização no discurso recente de Fernando Henrique Cardoso — é bastante curioso, até meio surrealista. Na realidade, estamos aqui reunidos para discutir dois fenômenos que, a rigor, não existem! Não existe teoria da dependência e não existe globalização.

O próprio Enzo Faletto, no texto apresentado aqui, no seminário Teoria da Dependência: 30 anos depois (1), sempre se refere, modestamente, à “chamada teoria da dependência” ou ao “tema da dependência”, não se deixando lisonjear pelo título geral do evento. O que estamos reexaminando não é propriamente uma teoria, mas um conjunto de observações sobre as economias e sociedades latino-americanas e suas relações internacionais em determinado período histórico.

A “globalização” é, em larga medida, outro mito. Um exame detido dos dados macroeconômicos internacionais revela haver mais mito do que realidade na chamada globalização deste final do século XX. O alcance real dos fenômenos internacionais é, na grande maioria das áreas, bem menor do que sugere o uso generalizado de termos altissonantes como “globalização” ou “mundialização”. O exagero nessas discussões chega, não raro, às raias do grotesco. A expansão internacional das atividades econômicas nos últimos 20 ou 30 anos não tem a abrangência, nem a novidade e nem a irreversibilidade que geralmente lhe são atribuídas, como procurei demonstrar em trabalho concluído no meu período como pesquisador visitante no Instituto de Estudos Avançados da USP, o qual foi publicado na revista do Instituto, edição de jan./abr. 1998, sob o título Mitos da ‘globalização’.

Mas não pretendo voltar a abordar, hoje, os mitos da “globalização”. Vou dividir a minha intervenção em duas partes. Começarei tratando da chamada teoria da dependência para, em seguida, comentar o tema da “globalização” no discurso recente de Fernando Henrique Cardoso.

 

A “teoria” da dependência

Leitura útil para quem se interessa por esses assuntos é um depoimento também publicado na revista ESTUDOS AVANÇADOS, edição de set./dez. 1997. Trata-se de uma longa e valiosa entrevista concedida a Alfredo Bosi pelo sociólogo José de Souza Martins, um dos expoentes do Departamento de Ciências Sociais da USP. Souza Martins foi aluno de Fernando Henrique Cardoso e acompanhou de perto a sua trajetória como intelectual desde os anos 60.

A entrevista lança luz sobre as origens intelectuais do atual presidente da República, em especial sobre o significado político da chamada teoria da dependência. Inclui, além disso, considerações muito interessantes sobre as relações entre o tema da dependência nos anos 60 e o debate sobre “globalização” nos anos 90.

Souza Martins foi cuidadoso e delicado, mas bastante revelador. O que emerge do seu depoimento é a impressão de que há mais continuidade do que ruptura na carreira de Fernando Henrique Cardoso. Ao contrário do que geralmente se crê, são muito significativos os pontos de contato entre Fernando Henrique sociólogo e Fernando Henrique político.

Para Martins, o trabalho de intelectuais como Fernando Henrique nos anos 60 resultou no amadurecimento da percepção de que o “imperialismo”, para usar o jargão da época, sofrera transformações como sistema de dominação econômica e política e “abria espaços de parceria subalterna”. Já não era necessariamente um inimigo do desenvolvimento nacional, mas um “sócio compulsório” desse desenvolvimento. Oferecia a países como o Brasil a “a alternativa de tornarem-se sócios menores do desenvolvimento capitalista”. Fernando Henrique foi, segundo Martins, “um dos primeiros cientistas sociais a perceber a mudança que estava ocorrendo”.

Martins não usa a palavra, mas fica patente pelo seu relato que, já naquela altura, a atitude básica de Fernando Henrique Cardoso era marcada pelo conformismo, disfarçado pelo recurso freqüente à terminologia e às categorias marxistas, ainda bastante em voga naqueles tempos.

A “teoria” da dependência, segundo esse depoimento, “não era necessariamente uma perspectiva de esquerda”. Nos anos 60, esclarece Martins, “a crítica à situação de dependência era uma crítica de esquerda, mas, ao mesmo tempo, uma proposta de adesão estratégica”. Desde aquela época, reinavam mal-entendidos. A esquerda, lembra ele, “falava em dependência imaginando que estava falando de imperialismo, e na verdade não estava falando de imperialismo mas do ajustamento da economia nacional na economia globalizada”.

Martins lembra ainda que, nos anos mais recentes, Fernando Henrique foi um dos primeiros brasileiros a falar em “globalização”. Mas esclarece que não houve “direitização” quando se passou da “teoria da dependência” para a “teoria da globalização”: “A lógica da globalização já estava lá naquelas preocupações de esquerda e claramente presentes nas idéias de Fernando Henrique”.

Mais recentemente, em livro publicado em 1998 a que voltarei a me referir mais adiante, o próprio Fernando Henrique Cardoso comentou a relação entre o tema da dependência e o debate atual sobre “globalização”,destacando a continuidade entre o seu trabalho intelectual e as discussões mais recentes sobre a economia internacional: “Quando escrevi o livro sobre dependência e desenvolvimento [trata-se, evidentemente, da obra escrita em co-autoria com Enzo Faletto, Dependência e desenvolvimento na América Latina], não tínhamos palavras para expressar o que estava acontecendo. Não se falava nem ‘multinacional’, era ‘truste’, quanto mais ‘globalização’. Mas usei uma expressão que indicava o que está acontecendo: eu falava numa internacionalização dos mercados. (…) Descrevia um processo objetivo que hoje se chama ‘globalização'”.

Em suma, o posicionamento internacional do atual governo talvez tenha raízes mais fundas do que geralmente se imagina. Pelo lado intelectual, parece remontar às pesquisas e elucubrações de Fernando Henrique e de uma certa esquerda nos anos 60. Depurados da terminologia marxista ou quase-marxista em moda naquele período, os textos de então podem até dar um certo embasamento às opções e omissões de hoje.

Aparentemente, não é de hoje que Fernando Henrique se ajusta bastante bem à tradicional preferência das elites brasileiras por uma integração subordinada à economia internacional. Há quem sustente que, como presidente da República, ele resolveu ir além e que o seu governo representa um aprofundamento e uma radicalização do habitual posicionamento internacional das camadas dirigentes locais.

Pode ser. Durante o seu mandato, avançou muito o processo de desnacionalização da economia. A política externa brasileira alinhou-se de forma bastante mais clara à agenda dos EUA. E a política macro-econômica do governo, em especial no campo cambial, deixou o Brasil à mercê dos instáveis humores dos mercados financeiros internacionais. Por esses e outros motivos, se algum dia alguém resolver escrever a biografia de Fernando Henrique Cardoso, um bom título poderia ser: Dependência: da teoria à prática.

 

“Globalização” no discurso recente 
de Fernando Henrique Cardoso

Passemos, então, ao segundo ponto: como aparece a questão da “globalização” no discurso recente de Fernando Henrique Cardoso, agora político e presidente da República? Como já indiquei, “globalização” é um terreno fértil para discussões desfocadas e até absurdas. É um debate que tem trazido muito mais mistificação do que esclarecimento. Veremos que as intervenções do presidente da República não fogem desse padrão geral.

Antes de comentar algumas manifestações de Fernando Henrique Cardoso, gostaria de chamar atenção para um aspecto curioso do debate sobre a “globalização” que tem sido pouco notado, mas que pode facilitar a compreensão do posicionamento do presidente-sociólogo. Refiro-me ao seguinte: por estranho que talvez possa parecer, há uma afinidade natural entre o pensamento de muitos setores da esquerda e a ideologia da “globalização”. Embora estreitamente ligada ao “neoliberalismo”, anátema para as esquerdas de todo o tipo, a ideologia da “globalização” tem características que facilitam a sua absorção e difusão por intelectuais ou políticos formados dentro da tradição marxista ou que sofreram forte influência do marxismo. Talvez não seja por acaso que Fernando Henrique Cardoso figure entre os que mais contribuíram para colocar a questão da “globalização” no centro do debate brasileiro nos anos recentes.

O tema é por demais vasto e complexo para ser adequadamente tratado no tempo de que disponho agora. Vejo na platéia a professora Miriam Limoeiro Cardoso, de quem fui aluno, e já me sinto intimidado em abordá-lo. Mas vale a pena recordar que, desde as suas origens no século XIX, havia no pensamento marxista — ou pelo menos em certas vertentes do marxismo — elementos que também estão bem representados na ideologia da “globalização”. Primeiro, o economicismo, ou seja, a idéia de que a história da humanidade é comandada, no essencial, por forças econômicas, em especial pela evolução das “relações de produção” e pelo progresso tecnológico. Segundo, o determinismo ou o fatalismo, vale dizer, a propensão a identificar inexorabilidades e irreversibilidades no curso da história. Terceiro, o internacionalismo, em especial a idéia de que a evolução do capitalismo tende a romper as fronteiras nacionais e a provocar a obsolescência do Estado nacional.

Evidentemente, é nas versões mais reducionistas do marxismo que aparecem com clareza esses três elementos. O próprio Marx e os seus principais seguidores abordaram essas questões com mais sutileza, ainda que nem sempre de forma satisfatória. Como se sabe, elas têm sido objeto de intensa controvérsia entre marxistas e marxólogos de várias tendências desde fins do século XIX.

Seja como for, parece clara a semelhança entre certos aspectos da tradição marxista e a ideologia da “globalização”. Nessas semelhanças, que esbocei de forma muito esquemática, reside provavelmente parte da explicação para o paradoxal fascínio que o tema da “globalização” exerce sobre certas áreas da esquerda, no Brasil e em outros países.

Fernando Henrique Cardoso sabe explorar esse fascínio ou talvez seja, em alguma medida, vítima dele. Esse é um dos aspectos que chama atenção em uma de suas manifestações mais recentes sobre o tema da “globalização”.Refiro-me ao livro recém-publicado, citado anteriormente: O presidente segundo o sociólogo: entrevista de Fernando Henrique Cardoso a Roberto Pompeu de Toledo.

O livro contém um capítulo consagrado inteiramente à “globalização” que o entrevistado abre com o seguintes comentário: “Quando se lêem os grandes clássicos, críticos ou não do capitalismo, percebe-se que todos eles pensam no capitalismo em nível mundial. Marx, Rosa Luxemburg. A vocação do capitalismo é sua expansão universal. Isso é Marx”. Em outras palavras, o bom sociólogo marxista, ou formado na tradição marxista, já encontrará em Marx e em outros clássicos do marxismo elementos para pensar a “globalização”.

Não é difícil perceber a presença dos três elementos já referidos — economicismo, determinismo e internacionalismo — no discurso recente de Fernando Henrique Cardoso sobre a chamada globalização. No texto apresentado neste seminário, Sebastião Velasco e Cruz observa com razão: “A globalização da qual ele [Fernando Henrique Cardoso] fala tem como referente exclusivo a economia. Nos textos examinados, não encontrei um parágrafo sequer sobre os circuitos transnacionais de comunicação, sobre a difusão de valores, subculturas, estilos de vida e formas de sensibilidade em escala planetária — temas centrais (…) na agenda do debate sociológico contemporâneo”.

De fato, Fernando Henrique Cardoso concebe a “globalização” como fenômeno fundamentalmente econômico, como força internacional capaz de se impor e sobrepor aos Estados nacionais. “Queiramos ou não a globalização econômica é uma nova ordem internacional”, afirma Fernando Henrique em conferência citada por Velasco. Nesse e em outros textos e pronunciamentos recentes de sua autoria, abundam referências à capacidade que teria a “globalização”, em especial a “globalização” financeira, de “impor” padrões de conduta e “conduzir” ou “limitar” a atuação dos governos. A despeito de concessões ocasionais à idéia de que ainda há alguma liberdade de escolha para os governantes nacionais, a nota dominante é claramente dada pelo fatalismo e pela atitude resignada que costuma acompanhá-lo.

No livro O presidente segundo o sociólogo, Fernando Henrique reitera esses pontos de vista de forma particularmente enfática e às vezes bastante caricata: “Temos que pensar em humanidade, como Gorbatchóv propôs. De qualquer maneira, parafraseando Marx, um fantasma ronda o mundo — o fantasma dos capitais especulativos”, uma formulação que, à primeira vista, parece dar razão às críticas e preocupações de muitos adversários da “globalização”.

Mas não é o que parece. Fernando Henrique imediatamente esclarece que a oposição brasileira está errada “porque olha isso do ângulo nacional”. Para ele, “não há solução nacional para a questão. (…) Essa questão dos capitais selvagens surgida com a globalização tem origem fora de nossas fronteiras. É um problema que não posso resolver sozinho”. E ninguém deve criticar o governo brasileiro por ser favorável à “globalização”: “Imaginar que o governo é a favor da globalização, ou que a apoia, é idiota. Trata-se de um fato real, da estrutura do sistema produtivo”.

Fernando Henrique chega a falar, sem maiores qualificações, de uma crise “total” do Estado nacional. “Não temos instrumentos para enfrentar o problema. Falta um Estado mundial, uma espécie de Constituição do mundo, que declare os direitos dos povos, diante da especulação”, diz ele, adentrando o que ele mesmo qualifica de “terreno da utopia”.

Nesse livro, uma característica marcante dos comentários sobre “globalização” é a ausência de distinções elementares. Tudo se passa como se não houvesse grandes motivos para distinguir, por exemplo, os efeitos da “globalização” e da instabilidade financeira internacional sobre os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento. “A conjuntura é vantajosa, para discutir essa questão com os países ricos, porque não estamos numa situação clássica de dependência”, acredita Fernando Henrique. “Temos uma situação em que todos podem ser atingidos, fortes e fracos”.

De acordo com ele, até os EUA perderam autoridade. “No limite, o que está acontecendo em conseqüência dessa globalização”, explica Fernando Henrique, “é que você não tem mais autoridade, nenhum Banco Central tem, nem o Fed americano tem”.

Afirmação curiosa. Os mercados internacionais, os analistas financeiros, os governos, os meios de comunicação de massa, enfim, todos os setores acompanham ansiosamente toda e qualquer movimentação do Federal Reserve. Todo e qualquer comentário do chairman do Fed, Alan Greenspan, é examinado e interpretado ad nauseam pela imprensa financeira mundial. Mas, segundo Fernando Henrique Cardoso, o Fed não tem mais autoridade, foi atropelado pelo fenômeno da “globalização”.

Nessas e em outras manifestações do presidente-sociólogo, o que transparece é uma visão pouco diferenciada, às vezes bastante simplista e, como disse, caricata. Esse aspecto raramente é destacado, pois nos meios acadêmicos, especialmente aqui em São Paulo, ainda sobrevive, apesar de tudo, um certo respeito pela figura do sociólogo que foi Fernando Henrique Cardoso.

No texto de Sebastião Velasco (2), por exemplo, que trata especificamente do discurso recente de Fernando Henrique sobre dependência e globalização, falta um elemento essencial: o aspecto cômico. O tema não pode, convenhamos, ser tratado inteiramente a sério, sem um toque de humor e ironia. Em toda essa discussão sobre “globalização”, particularmente quando referenciada a pronunciamentos de políticos como Fernando Henrique Cardoso, não pode estar ausente a noção do ridículo.

Velasco menciona, gentilmente, a existência de ambigüidades no discurso do presidente da República. Porém, o que encontramos aí, a meu ver, não são propriamente ambigüidades, mas afirmações e contradições cômicas, ou que chegam, pelo menos, às raias do cômico e do ridículo.

Em dezembro de 1997, por exemplo, em discurso para os membros do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável, reproduzido na íntegra no jornal O Estado de S. Paulo, Fernando Henrique Cardoso lembrou vir há muito tempo falando que “estamos vivendo um novo Renascimento, um novo Humanismo”. O que caracterizaria esse “novo Renascimento”, segundo ele, é que “ao invés da idéia do homem e do indivíduo, situado nacionalmente, ou mais tarde ainda situado na classe, hoje, pela primeira vez, é possível, por causa da globalização, (…) generalizar o cidadão. Quer dizer, é a humanidade mesma que pela primeira vez na História se torna (…) uma espécie de um novo universal concreto à la Hegel”.

Imaginem a amarga perplexidade dos empresários presentes à cerimônia. No lugar do feijão com arroz habitual dos discursos presidenciais dirigidos a empresários, uma pequena aula de hegelianismo prático, aplicado à globalização! Os descontentes e ressentidos de sempre apontarão a superficialidade e a falsa sofisticação do discurso presidencial. Mas, convenhamos, não é para qualquer um. Não é qualquer país que pode, mesmo nessa nova fase de Renascimento, ostentar um chefe de Estado com tal cabedal de cultura geral e referências eruditas.

Bem, isso foi em dezembro do ano passado. O tempo que tudo modifica e tudo destrói já transfigurou a retórica presidencial. Mais recentemente, agora em maio, Fernando Henrique esteve em Genebra para participar das comemorações do cinqüentenário do Gatt e do sistema multilateral de comércio. Não perdeu a oportunidade de voltar a dar entrevistas sobre o tema da “globalização”. Mas, desta vez, saiu-se com o seguinte: “Se você me perguntar se eu gosto da globalização, eu vou dizer que não gosto, não. Porque eu acho que se perde uma porção de graus de liberdade na política dos países”. Fernando Henrique já não gosta, portanto, do Renascimento que ele próprio proclamou em ocasiões anteriores.

Mas isso, na verdade, pouco importa. Ele próprio se apressa a explicar, retomando o tom fatalista, que a globalização é “um fato, um processo real, que está aí, e não adianta se manifestar contra. (…) Não podemos dar uma marcha a ré na história”.

Essas declarações presidenciais falam por si e dispensam maiores comentários. Contudo, como o presidente aprecia citações filosóficas ocorre-me, a propósito, lembrar a célebre observação de Nietzsche: “Não há fatos; só interpretações”. E as interpretações que fazemos, ainda que travestidas de “fatos inquestionáveis”, “processos irreversíveis” e “tendências inexoráveis”, devem ser tratadas como sintomas, como sinais de linguagem que revelam disposições básicas ou valores fundamentais.

Mas já estou arrependido de ter trazido Nietzsche para esse debate de nível duvidoso. Nem Hegel, nem Nietzsche merecem esse abuso. O que gostaria de dizer, para encerrar, é que com tantas oscilações e contradições, o discurso de Fernando Henrique acaba não configurando nada de coerente. No fundo, o que sobra de toda essa retórica presidencial são duas marcas muito claras: a resignação e o escapismo.

Nesses pontos, Fernando Henrique Cardoso não está só. A “globalização” virou recurso retórico de ampla circulação nos meios governamentais de muitos países. Trata-se de uma retórica duplamente conveniente. Permite, por um lado, justificar e apresentar como “inevitável” a passividade diante das forças dominantes no plano internacional. Por outro lado, é uma forma de debitar a fatores impessoais incontroláveis, ditos “globais”, tudo de desagradável que acontece no país.

Por exemplo, se o desemprego aumenta, a responsabilidade não é primordialmente do governo nacional, uma vez que se trata de uma tendência “global”. Se as empresas nacionais são absorvidas por grupos estrangeiros, não há muito o que fazer, uma vez que firmas “transnacionais” são as que têm escala para competir e prosperar em uma economia “globalizada”. Se a moeda nacional é atingida por ataques especulativos, a culpa é dos mercados financeiros “globalizados”, que ninguém controla e contra os quais não há possibilidade de defesa no âmbito nacional.

Nesses dois aspectos, resignação e escapismo, não há nada de original no discurso de Fernando Henrique Cardoso. São características típicas da retórica atual dos governantes fracos e omissos. Proporcionar uma vestimenta “moderna” para a subserviência e a fuga à responsabilidade, eis as funções que a retórica da “globalização” tem cumprido mundo afora.

 

Referências

BATISTA JR., Paulo Nogueira. Mitos da “Globalização”. ESTUDOS AVANÇADOS, v. 12, n. 32, jan./abr. 1998.

CARDOSO, Fernando Henrique. O presidente segundo o sociólogo: uma entrevista de Fernando Henrique Cardoso a Roberto Pompeu de Toledo. São Paulo, Companhia das Letras, 1998.

__________. Discurso para os membros do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável. Brasília, DF, 17 de dezembro de 1997 (reproduzido na íntegra em O Estado de S. Paulo, 18 dez. 1997, Caderno C, p. 18).

CARDOSO, Fernando Henrique & FALETTO, Enzo. Dependência e desenvolvimento na América Latina: ensaio de interpretação sociológica, 5ª ed. Rio de Janeiro, Zahar, 1979.

FALLETO, Enzo. Los años sesenta y el tema de la dependencia. Trabalho apresentado no seminário Teoria da dependência: 30 anos depois, Universidade de São Paulo, junho de 1998 [mimeo.].

MARTINS, José de Souza. Sociologia e militância: entrevista com José de Souza Martins. ESTUDOS AVANÇADOS, v. 11, n. 31, set./dez. 1997.

ROSSI, Clóvis. Também não gosto da globalização, diz FHC. Folha de S. Paulo, 19 maio 1998.

VELASCO E CRUZ, Sebastião C. Idéias do poder: dependência e globalização no discurso recente de Fernando Henrique Cardoso. Trabalho apresentado no seminário Teoria da dependência: 30 anos depois. Universidade de São Paulo, junho de 1998 [mimeo.].

YANAKIEW, Mônica. Manifestações são inúteis, diz FHC. O Estado de S. Paulo, 19 maio 1998.

 

 

Paulo Nogueira Batista Jr é professor e pesquisador da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo. Foi professor-visitante do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo entre março de 1996 e fevereiro de 1998. 
* Intervenção em debate ocorrido em 15 de junho de 1998 na Universidade de São Paulo, por ocasião do seminário Teoria da dependência: 30 anos depois, organizado pelo Instituto de Estudos Avançados da USP, com a colaboração dos Departamentos de Economia da FGV e da PUC-SP e dos Departamentos de Sociologia e de Ciência Política da FFLCH-USP. Transcrição da intervenção oral, revista pelo autor. 
1 O autor refere-se ao texto publicado na revista ESTUDOS AVANÇADOS, v. 12, nº 33, maio/agosto 1998 (N. do Editor). 
2 O autor refere-se ao texto publicado nesta edição da revista ESTUDOS AVANÇADOS, v. 13, nº 37, set./dez. 1999, p. 225-247 (N. do Editor).